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TRF-3 vai julgar responsabilização de sócios por uso de FIP

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) terá que reanalisar um recurso da Fazenda Nacional sobre a responsabilidade solidária dos sócios da falida Tinto Holding, controladora do Grupo Bertin (hoje Grupo Heber, em recuperação judicial). Os executivos podem ser obrigados a pagar uma dívida de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL que hoje chega a R$ 5 bilhões.

A determinação foi dada por uma decisão unânime da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros acataram recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de que houve omissão no acórdão do TRF-3 sobre o tema e estabeleceram a reanálise dos embargos de declaração.

O processo é emblemático. Trata da condenação da Tinto Holding pela Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em 2019, por conta da fusão com a JBS, em 2009, por meio do uso de Fundo de Investimentos em Participações (FIP), uma prática comum no mercado. No caso concreto, os fundos foram o Bertin e o do BNDESPar. Foi decidido que a operação não teve propósito negocial e foi feita só para aproveitar benefício fiscal.

O acórdão do Carf, de 84 páginas, manteve a multa qualificada por conta de suposta fraude. Mas ficou uma dúvida se os conselheiros teriam afastado a responsabilidade tributária de terceiros. Após o desfecho no tribunal administrativo, a Delegacia de Administração Tributária (Derat) de São Paulo teria comunicado aos sócios que eles não foram responsabilizados.

Porém, meses depois, emitiu novas intimações, entendendo haver responsabilidade dos sócios. Eles, então, recorreram à Justiça e tiveram decisões favoráveis em primeira e segunda instâncias. Imputar a dívida aos executivos, segundo especialistas, talvez seja a forma de a União receber a quantia, pois só haveria R$ 50,1 milhões no caixa da falência da Tinto Holding hoje.

A ação tramita em segredo de justiça em primeira e segunda instâncias. Porém, no acórdão, o STJ descreve as decisões. Para a 2ª Turma, o juízo de primeiro grau entendeu que o acórdão do Carf “não abordou a responsabilidade de terceiro”. E que como não foram opostos embargos de declaração pela União sobre o tema, a decisão se tornou definitiva.

Segundo o juiz, a Derat buscou “conferir interpretação diversa e alterar o que foi decidido no acórdão proferido pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, que exonerou de responsabilidade tributária as pessoas físicas e jurídicas administradoras”.

O TRF-3, por sua vez, entendeu, de acordo com o STJ, que a “coisa julgada administrativa” precisa ser cumprida. E que apenas o relator no Carf tratou da responsabilidade tributária. “Se a Fazenda Nacional não concordava com a decisão, deveria ter oposto embargos de declaração, nos termos do artigo 65 do Ricarf [Regimento Interno do Carf], pois a análise do acórdão deixa clara que a maioria dos integrantes do colegiado afastou a responsabilidade dos administradores”, afirma o TRF-3.

Para a Fazenda Nacional, o Carf manteve a aplicação da multa qualificada e a hipótese de simulação, o que implica automaticamente desconsideração do fundo para atingir a empresa e seus responsáveis solidariamente. E que o afastamento da responsabilidade tributária estaria restrito à Heber Participações S/A. O órgão argumentou ainda que o TRF-3 negou a vigência ao artigo 53 da Lei nº 9.784/1999, que trata da possibilidade de a administração pública rever atos próprios se houver vícios.

A fundamentação da Fazenda foi acatada pelo relator, o ministro Francisco Falcão. Para ele, o TRF-3 “se recusou a sanar os vícios apontados pela Fazenda Nacional no que diz respeito ao teor do julgamento administrativo que, segundo consta, teria sido interpretado sem que fosse considerada toda a fundamentação apresentada pelos conselheiros” (REsp 2150710).

Falcão determinou a reanálise dos embargos pelo TRF-3, que deve avaliar se é preciso prorrogar o prazo para se juntar provas. E que não cabe revisar o acórdão do Carf, só a interpretação da Receita de “que teria sido realizada inicialmente de forma equivocada”.

Para o relator, “não se pode admitir a ideia de que o erro inicial na interpretação do acórdão seja capaz de impedir a cobrança do crédito tributário devido contra os responsáveis dentro do prazo prescricional, se tal responsabilidade for confirmada pela instância de origem após o julgamento dos embargos de declaração”.

Maria Leonor Leite Vieira, sócia do Barros Carvalho Advogados, que fez a sustentação oral no STJ pelos sócios, definiu a atitude da Fazenda Nacional como “extraordinária” e “estapafúrdia”. Isso porque, segundo ela, não poderia a Derat aplicar um entendimento diferente do firmado pelo Carf.

“A União pretende alterar um resultado conferido em decisão da Câmara Superior do Carf”, disse. “Uma autoridade executora que deveria arquivar os processos resolve superar tudo isso e levar o caso para discussão”, acrescentou. Também atuou no caso Guilherme Leite, do Machado Leite & Bueno Advogados.

Para a tributarista Gisele Barra Bossa, sócia do Demarest e ex-conselheira do Carf, a decisão do STJ dará oportunidade ao TRF-3 de reproduzir o acórdão do Carf, que afastou a responsabilidade dos sócios e não deveria ser revista pelo Judiciário. Segundo ela, a Fazenda costuma entender que se mantida a multa qualificada, é preciso manter também a penalização solidária.

Mas essa relação automática, afirma, não deve ser aplicada. “A gente vê o posicionamento de algumas turmas nesse sentido, mas a Câmara Superior foi coerente em afastar a responsabilidade, porque são institutos jurídicos distintos”, afirma. “O Fisco tem que comprovar o nexo causalidade entre a conduta de empresa com interesse econômico e de eventual pessoa física ou gestor, mas são coisas distintas”, acrescenta Gisele, citando o artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, que prevê as multas, e os artigos 124 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN), que preveem a responsabilidade.

Na visão de Halley Henares, sócio do Henares Advogados e presidente da Associação Brasileira Advocacia Tributária (Abat), a decisão do STJ não dá um aval para a Receita Federal anular os próprios atos e ir contra uma decisão administrativa. “Isso violaria a segurança jurídica, o princípio da boa-fé objetiva, a coisa julgada administrativa e o princípio de que a administração não pode vir contra o fato julgado pela própria administração”, diz.

O que se discute é a interpretação da Receita sobre o acórdão do Carf. Henares explica que cabe analisar se a notificação da Derat tem efeito de lançamento tributário ou se seria mero erro do Fisco sendo corrigido. Se ocorrer a primeira situação, se aplicaria o artigo 146 do CTN, em que um lançamento tributário não pode ser modificado para favorecer o Fisco. Se for o segundo caso, incidiria o artigo 53 da Lei nº 9.784/1999. “Mas a decisão do STJ não é um cheque em branco e não permite uma releitura do artigo 53.”

Procurada pelo Valor, a PGFN não quis comentar a decisão.

Fonte: VALOR

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