O ajuizamento de execuções fiscais de pequeno valor tem sido constantemente alvo de críticas por parte de juízes, procuradores, advogados e outros operadores do Direito, na medida em que tais profissionais vêm defendendo que a adoção de métodos alternativos para a cobrança desses créditos tributários se mostraria muito mais efetiva e evitaria o sobrecarregamento do Judiciário e o consequente congestionamento da máquina judicial, em prejuízo dos demais jurisdicionados.
Isso porque o processo de execução fiscal de dívida ativa de valor inferior ao respectivo custo processual tem se tornado excessivamente oneroso para o poder público, já que mobiliza, em cada execução, a máquina pública administrativa e judicial, causando prejuízo ao interesse coletivo. Aliás, muitas dessas execuções fiscais sequer alcançam o objetivo de recuperar algum valor do crédito tributário.
Custo de tramitação
Apenas para demonstrar o dramático cenário envolvendo as execuções fiscais inefetivas, cita-se, a título exemplificativo, que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) requereu que o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) executasse, entre novembro de 2009 e fevereiro de 2011, o projeto de pesquisa denominado “Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal da União”, com o objetivo de verificar o tempo e o custo de tramitação das ações de execuções fiscais na Justiça Federal.
A conclusão do estudo foi que as execuções fiscais promovidas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) junto à Justiça Federal era de R$ 5.606,67; o tempo de tramitação médio naquela época era de nove anos, nove meses e 16 dias; e a probabilidade de obter-se a recuperação integral do crédito era de apenas 25,8% [1], conforme esquematização abaixo:
Conclusões e recomendações | ||
Custo unitário médio de uma execução fiscal | Tempo médio de tramitação | Probabilidade de êxito na recuperação do crédito |
R$ 5.606,67 | 9 anos, 9 meses e 6 dias | 25,8% |
Nesse cenário, analisando os dados constantes do relatório “Justiça em números”, percebe-se que historicamente as execuções fiscais são o principal fator de morosidade do Poder Judiciário. Para se ter uma ideia, o relatório apontou que no ano de 2023 os processos de execução fiscal representaram, aproximadamente, 34% do total de casos pendentes e 64% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 88%. Isso significa que a cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2022, apenas 12 foram baixados [2].
Esses dados levam à conclusão de que o sistema tributário brasileiro está inserido em um complexo cenário de macrolitigância e o futuro da tributação passa, necessariamente, por medidas que visem combater esse problema. Isso porque o artigo 70 da Constituição de 1988 determina a economicidade na administração e fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da União e dos demais entes de direito público.
Economicidade, eficiência e proporcionalidade
Além disso, não se pode ignorar que o princípio da eficiência administrativa vem explícito no artigo 37 da Constituição, estabelecendo que a atividade administrativa deve ser exercida com presteza e perfeição, ou seja, impõe o dever de boa administração. Logo, a conclusão a que se chega é que o poder público deve observar, ao decidir por ajuizar uma execução fiscal, os princípios da economicidade e da eficiência que regem a atividade administrativa, sob pena de estar cometendo uma antijuridicidade.
Isso significa que o Estado não pode comprometer o patrimônio público e causar prejuízo ao erário ao utilizar um mecanismo ineficiente para cobrar valores inexpressivos, como ocorre no caso de execuções fiscais de valores irrisórios, aos quais trazem mais onerosidade do que resultados. Ademais, a administração pública deve observar ao princípio da proporcionalidade, isto é, deve se valer de meios razoáveis em relação ao fim que a lei almeja alcançar.
Debate no STF
Não por acaso, no dia 19 de dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 1.355.208/SC (Tema 1.184/STF), de relatoria da ministra Cármen Lúcia, buscou solucionar o impasse envolvendo a necessidade de arrecadação do Fisco frente ao elevado número de execuções fiscais que tramitam no Judiciário, gerando morosidade ao sistema e ineficiência. Nesse julgamento, a Suprema Corte fixou as seguintes teses:
- É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.
- O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.
- O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis.
A discussão promovida no julgamento do Tema 1.184/STF consistiu em definir se a alteração legislativa trazida pelo artigo 25 da Lei nº 12.767/2012, que incluiu “entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”, seria apta a afastar a decisão do Supremo proferida no RE 591.033/SP (Tema 109/STF).
Isso porque, ao analisar a possibilidade de ser extinta uma execução fiscal ajuizada por município com base em teto de valor previsto em lei estadual, o STF fixou a seguinte tese no Tema 109 da repercussão geral: “Lei estadual autorizadora da não inscrição em dívida ativa e do não ajuizamento de débitos de pequeno valor é insuscetível de aplicação a Município e, consequentemente, não serve de fundamento para a extinção das execuções fiscais que promova, sob pena de violação à sua competência tributária”.
Assim, ao analisar o Tema nº 1.184/STF, a Suprema Corte entendeu que a tese fixada no Tema 109/STF restava superada, já que o aludido diploma legislativo passou a permitir que os municípios pudessem se valer de métodos alternativos extrajudiciais para a cobrança dos créditos tributários de baixo valor [3]. Ou seja, a execução fiscal não seria mais a única alternativa para recuperar os créditos tributários de valor baixo em situação de inadimplência.
Iniciativas prévias
Ocorre que entender por inviabilizar totalmente o ajuizamento de execuções fiscais pelos municípios representaria um grave equívoco, além de obstar o acesso ao Judiciário aos pequenos municípios e afrontar o disposto no artigo 5º, XXXV, da Constituição. Isso porque não há norma constitucional que condicione o acesso à Justiça pelos entes públicos a valor mínimo, bem como os pequenos municípios, muitas vezes, buscam a satisfação de créditos de baixa monta.
Esses pontos são muito bem observados pela ministra Cármen Lúcia ao afirmar que:
“O Município disse na tribuna o que já tinha afirmado nos documentos, no recurso, que tem aproximadamente 3 mil certidões para cumprir, das quais 1.527, parece-me, não me lembro de cor, mas é mil quinhentos e alguma coisa, eram abaixo deste valor de 500 reais. Então, é preciso também levar esses dados em consideração. Por isso, fiz questão de, na introdução e antes mesmo de iniciar o voto, chamar atenção para a circunstância de que, no Brasil, a Avenida Paulista é só uma, mas Espinosa são várias. Então, é preciso considerar essas realidades porque isso, em um Município pequeno realmente, como todo mundo aqui se pôs de acordo e enfatizou, faz diferença mesmo.”
Dessa forma, visando se evitar a obstrução do acesso à Justiça, aos pequenos municípios restou consolidado que o ajuizamento de execuções fiscais consideradas de baixo valor dependeria da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida (tese 2 do Tema 1.184/STF).
Além disso, para se evitar possíveis problemas envolvendo as execuções fiscais já ajuizadas e seguindo o disposto no artigo 23 da Lindb, no qual dispõe que, quando houver nova interpretação ou orientação sobre alguma norma, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição, o STF estabeleceu a tese nº 3 no Tema nº 1.184/STF da repercussão geral, segundo a qual:
“O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis.”
Logo, como pode ser observado, o Tema 1.184/STF é aplicável apenas às execuções fiscais consideradas de baixo valor. Essa é a conclusão a que se chega após o julgamento dos embargos de declaração opostos pelo município de Pomerode, em que a Corte Suprema acolheu os aclaratórios, sem efeitos infringentes, para esclarecer que a tese de repercussão geral fixada no aludido Leading Case aplica-se somente aos casos de execução fiscal de baixo valor, conforme consta da decisão abaixo:
“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração, sem atribuição de efeitos infringentes, apenas para esclarecer que a tese de repercussão geral fixada na espécie aplica-se somente aos casos de execução fiscal de baixo valor, nos exatos limites do Tema 1.184, incidindo também sobre as execuções fiscais suspensas em razão do julgamento desse tema pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto da Relatora. Plenário, Sessão Virtual de 12.4.2024 a 19.4.2024”.
Dessa forma, mesmo não tendo sido publicado até o momento o acórdão dos embargos de declaração, observa-se que as teses fixadas no Tema nº 1.184/STF da repercussão geral somente poderia ser aplicada as execuções fiscais de baixo valor, assim estabelecidas no julgamento. Todavia, em respeito a autonomia dos Entes Federativos e visando esclarecer os fundamentos de sua decisão, o Supremo Tribunal Federal, editou um relatório intitulado “Informação à Sociedade”, em que informa que cabe “a União, os Estados e os Municípios devem fixar em lei um valor mínimo (piso) para iniciar execuções fiscais que guarde relação com o custo de movimentação desses processos” [4].
Logo, estaria autorizada a extinção de execuções fiscais de baixo valor que não atendessem os requisitos estabelecidos no Tema 1.184/STF da repercussão geral. Contudo, não se pode esquecer que a extinção deve ser operada somente após a oportunização do ente público de requerer a suspensão da execução para realizar uma tentativa de conciliação ou se manifestar sobre sua inviabilidade, sob pena de violação ao contraditório e a ampla defesa.
Em resumo, somente é possível a extinção das execuções fiscais, nos termos estabelecidos no julgamento do Tema 1.184/STF, se (1) o crédito tributário em cobrança for considerado de baixo valor, (2) for respeitada a competência constitucional do ente federativo, caso já tenha legislação própria estabelecendo o limite para dispensa de execução fiscal; e (3) for garantido a prévia manifestação do Fisco antes de eventual extinção.
Portanto, este breve ensaio não visa esgotar a discussão envolvendo o ajuizamento de execuções fiscais de baixo valor, mas o que se verifica é que o Supremo, após o julgamento do Tema 1.184/STF, declinou seu entendimento no sentido de que seria antijurídico, por ofensa aos princípios da economicidade, da razoabilidade e da eficiência administrativa, o manejo de execução fiscal para os casos concretos de valores mais baixos.
Além disso, a Corte Suprema entendeu que menospreza o interesse público o ajuizamento direto de valores de pequeno valor, quando a lei permite o protesto da CDA previamente. Afinal, eficiência, economicidade e responsabilidade fiscal são princípios constitucionais imperativos à administração pública.
[1] CUNHA, Alexandre dos Santos; KLIN, Isabele do Valle; PESSOA, Olivia Alves Gomes. Custo e o tempo do processo de execução fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Comunicados do Ipea, n. 127. Brasília: Ipea, 012. Disponível em: < https://portalantigo.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/111230_notatecnicadiest1.pdf >. Acesso em: 18 jan. 2024.
[2] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2023. Brasília, DF: CNJ. Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/09/justica-em-numeros-2023-010923.pdf >. Acesso em: 04 fev. 2024, p. 149-150.
[3] O parágrafo único do art. 1o. da Lei n. 9.492/1997, alterado pelo art. 25 da Lei n. 12.767/2012 passou a ter a seguinte redação:
“Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.”
[4] O Relatório Informação à Sociedade está em anexo e pode ser consultado na integra no link: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE1355208Tema1184extinodeexecuofiscaldebaixovaloreprotestodadvidaativarev.LC_AO_FSP.pdf
Fonte: CONJUR