A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai analisar a modulação adotada pela 1ª Seção no julgamento que definiu que a base de cálculo das contribuições ao Sistema S não deve ficar restrita a 20 salários mínimos (hoje R$ 30,36 mil). O relator de um dos casos julgados aceitou recurso apresentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Em março de 2024, a 1ª Seção definiu que as chamadas “contribuições de terceiros” ou “parafiscais” devem incidir sobre toda a folha de pagamentos das empresas. Para limitar o impacto do entendimento, os ministros modularam a decisão.
A questão foi discutida em recursos repetitivos, e foram destacados dois processos como representativos da controvérsia: um recurso opondo a União à empresa de cosméticos Cigel (REsp 1898532), sob relatoria de Og Fernandes, e outro da distribuidora de alimentos GCA (REsp nº 1905870), relatado hoje por Maria Thereza de Assis Moura.
Nos recursos, a PGFN destaca que o artigo 927 do Código de Processo Civil (CPC), em seu parágrafo 3º, prevê que só nos casos de “alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.
O problema é que quando a 1ª Seção uniformizou seu entendimento, havia poucos precedentes sobre o tema: duas decisões colegiadas da 1ª Turma e algumas decisões monocráticas (de um só ministro). Segundo a PGFN, “a existência de precedentes isolados de uma única turma julgadora não caracteriza a existência de jurisprudência dominante sobre determinada matéria, sendo insuficiente para preencher o requisito contido no artigo 927, parágrafo 3º, do CPC” e que justificaria a modulação.
Ao analisar o pedido da PGFN, o ministro Og Fernandes admitiu que poderia haver possível divergência a respeito do conceito de jurisprudência dominante. Por isso, admitiu os embargos de divergência apresentados, abrindo espaço para manifestação das partes, para posterior análise. Mas a ministra Maria Thereza não vislumbrou a mesma possibilidade e negou seguimento ao recurso da União. O julgamento agora caberá à Corte Especial.
Tiago Conde, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, que representa a Cigel no processo, explica que os contribuintes rechaçam a argumentação da União. Isso porque ela tenta acabar com qualquer modulação dos efeitos.
De acordo com ele, o critério da modulação já tinha instituído uma exigência ao contribuinte que estava fora do seu controle – a obtenção de uma decisão favorável. “Como impor ao contribuinte uma limitação que não é dele?”, diz o advogado.
“Esse foi um dos primeiros problemas dessa modulação, que eu julgo completamente atípica e fora de qualquer parâmetro de razoabilidade mínima”, afirma. “O provimento ou não da decisão judicial não depende do contribuinte”, acrescenta.
Agora, a tentativa da União de acabar com a modulação também não deve prosperar, diz o advogado, uma vez que “a própria decisão da ministra Regina Helena Costa [então relatora] traz uma série de questões da jurisprudência da Corte à época”. “Não tem por que falar que não existia.”
Conforme explica a advogada Cristiane Matsumoto, do escritório Pinheiro Neto, há três cenários possíveis diante do contribuinte agora. No primeiro, se os embargos forem acolhidos, a modulação dos efeitos pode ser cancelada, e as contribuições parafiscais podem ser cobradas de todos os contribuintes retroativamente por até cinco anos.
Se os embargos não forem acolhidos, por outro lado, acrescenta, tudo permanece como está, e continua valendo a modulação com a condição de decisão favorável. Uma terceira possibilidade, diz, seria, após encerrados os trâmites no STJ, levar o julgamento para o Supremo Tribunal Federal, que pode rever o critério da modulação e modificar sua abrangência.
“A tese é extremamente delicada porque impacta financeiramente muitas empresas. Vamos ter que acompanhar os próximos desdobramentos. A Corte Especial envolve muito mais ministros, e são ministros diferentes, inclusive”, afirma a tributarista.
Fonte: VALOR