A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na transferência, por herança, de cotas de fundo de investimento fechado – conhecido como fundo dos “super-ricos”. O caso julgado envolve um patrimônio de R$ 7,5 bilhões, que pertencia ao médico e empresário Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, e ficou para seus filhos, Pedro de Godoy Bueno e Camilla de Godoy Bueno Grossi. Ele morreu em fevereiro de 2017.
Por unanimidade, os ministros reformaram um acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, para dar razão aos contribuintes. Segundo advogados, é a primeira decisão de turma no STJ sobre o tema.
Já os contribuintes argumentam que não há lucro porque receberam os bens pelo valor declarado pelo pai. Eles ressaltam que o recolhimento do tributo não deveria ser feito no momento em que se tornam titulares, mas quando houver a venda das cotas do fundo de investimento.
A decisão da Corte vai de encontro a um entendimento recente da Receita Federal, na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 21/2024, que vincula todos os fiscais do país. Nela, a fiscalização diz que é cabível a apuração de ganho de capital pelas mesmas regras aplicáveis à alienação de bens. A decisão do STJ, no entanto, prevalece, segundo especialistas.
Para o relator do caso, o ministro Gurgel de Faria, o artigo 23 da Lei nº 9.532, de 1997, dá duas opções aos contribuintes, permitindo a sucessão e doação pelo valor de mercado ou pelo valor da declaração de bens do doador ou falecido. “A transferência por sucessão é legalmente autorizada. Não cabe à Secretaria da Receita Federal inovar para determinar tributação pelo Imposto de Renda por situação diversa da prevista em lei quando inexiste ganho de capital”, afirmou ele, na sessão.
No entendimento dele e dos outros ministros da 1ª Turma, o imposto não incide na transferência de titularidade, mas apenas quando houver resgate ou efetiva alienação das cotas ou se a transferência for realizada pelo valor de mercado e houver uma diferença positiva em relação ao valor de aquisição. “Não se pode presumir o resgate pela transferência legítima de cotas aos herdeiros quando, na verdade, há uma mera atualização cadastral das cotas perante a instituição financeira administrativa.”
Na sessão, o advogado dos herdeiros, André Torres dos Santos, do Pinheiro Neto Advogados, reforçou que não há intenção de eles serem isentos de IR. “O que se discute aqui no processo é apenas o momento da tributação, se na transferência de titularidade ou se no momento do efetivo resgate, como prevê a legislação”, disse ele, na sustentação oral.
Para ele, fundos de investimento fechados possuem regras específicas, que não permitem o resgate de cotas antes do fim do prazo de duração previsto e que não é possível a tributação sobre os resultados parciais. “Não há disponibilidade jurídica sobre os resultados parciais enquanto não houver alienação”, completou.
Já o procurador Euclides Sigoli Júnior, da Fazenda Nacional, sustentou que a transmissão feita no caso é uma espécie de alienação, que “compreende qualquer forma de transmissão da propriedade”, para fins de IRRF, conforme o artigo 65 da Lei nº 8.981/1995. “Não há subsídio para postergação da incidência do tributo, quando ele pode ser custeado pelo patrimônio herdado”, disse o procurador (REsp nº 1968695).
Sigoli Júnior afirmou que não é possível dar uma interpretação para se eternizar o não pagamento do tributo. “Favoreceria os super-ricos, aqueles que têm condições de utilizar manobras de proteção do patrimônio em prejuízo à toda a sociedade e em agravamento à regressividade da carga tributária brasileira”, adicionou o representante da União, dizendo que os herdeiros estão entre as pessoas mais ricas do mundo.
Ao Valor, o tributarista Rodrigo Martone, sócio do Pinheiro Neto Advogados, disse que a decisão do TRF-3 já havia sido suspensa por uma liminar da própria presidência da Corte. “O TRF-3 se baseou em premissas equivocadas, porque não teve ganho de capital, então não tem fato gerador de Imposto de Renda”.
Segundo ele, o acórdão do tribunal regional é filho único e como a jurisprudência é pacífica em favor dos contribuintes, poucos são os casos que sobem ao STJ. No caso julgado, foi ajuizada uma liminar para que a administradora do fundo não fizesse a retenção do tributo.
Na visão de Eduardo Suessmann, sócio do SBP Law, a decisão do STJ respeita a legislação tributária. “Se você faz a transferência pelo valor da declaração, você não tem Imposto de Renda a pagar, porque não há, naquele momento, nenhum acréscimo patrimonial”, afirmou.
Para Fernando da Silva Chaves, sócio do escritório Papp, Taranto & Chaves Advogados, não há como equiparar um evento como a morte a uma modalidade de liquidação para disparar a tributação do IRRF. Além de ir contra a lei, obriga “os herdeiros a pagarem imposto de renda sem ter a disponibilidade efetiva sobre os rendimentos gerados pelas cotas que lhes foram transferidas por herança pelo custo de aquisição”.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: VALOR