O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter os percentuais de 0,65% para o PIS e 4% para o Cofins aplicados desde o ano de 2015 sobre as receitas financeiras. Todos os ministros acompanharam o relator, o ministro Cristiano Zanin, que afastou a aplicação do princípio constitucional da anterioridade – prazo de 90 dias ou um ano para a cobrança de um tributo majorado – após uma redução e posterior restabelecimento das alíquotas.
No processo, a Advocacia-Geral da União (AGU) estimava, em caso de derrota da União, impacto de R$ 6 bilhões ao ano para os cofres públicos. Porém, uma nota técnica da Receita Federal chegou a um valor bem menor, de R$ 1,4 milhão. O órgão calculou o impacto orçamentário para os três meses da chamada noventena, que é o período analisado nas ações judiciais.
O caso é considerado inédito por advogados pelo aspecto político e temporal. As alíquotas dos impostos foram reduzidas à metade pelo decreto nº 11.322/2022 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), editado no penúltimo dia de governo, em 30 de dezembro. A redução valeria a partir do dia 1º de janeiro de 2023. Porém, nesta data, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou outro dispositivo, de nº 11.374, revogando a norma e restabelecendo as alíquotas anteriores.
Contribuintes foram ao Judiciário questionar a validade do decreto de 2023. Como a norma majorou os impostos, entendem que os novos valores só poderiam ser cobrados a partir de abril, respeitando-se o período chamado de noventena. Já a União argumenta que não houve aumento das alíquotas, apenas a retomada das anteriores, em vigor desde 2015. Por isso, não haveria surpresa para as empresas.
A discussão no Judiciário começou após empresas entrarem com ações para serem beneficiadas com os percentuais menores de PIS/Cofins. Em março de 2023, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a eficácia delas até que fosse julgado o mérito.
A liminar foi referendada em abril, apenas com duas divergências, de André Mendonça e Rosa Weber. Para Mendonça, o decreto de 2023 contém “forte indício de inconstitucionalidade”, com objetivo “eminentemente, ou mesmo exclusivamente, fiscal”.
Já a ministra aposentada disse que o STF já tinha decidido respeitar a anterioridade mesmo quando há aumento indireto das alíquotas (ADI 5277). Para ela, o decreto editado em 2022 “vigorou no ordenamento jurídico brasileiro”, ainda que por “curto e exíguo período”.
Mas Zanin manteve a liminar do ano passado. Na visão dele, o decreto de 2023 “não ofende a segurança jurídica e nem prejudica a confiança do contribuinte”. O relator também considerou o princípio da responsabilidade da administração pública.
O decreto anterior, de 2022, diz, que “reduziu significativamente as alíquotas de tributos federais no momento imediatamente anterior à conclusão da transição de governo, afronta o princípio republicano e os deveres de cooperação”.
Para Fernanda Secco, sócia do Velloza Advogados, a norma entrou em vigor e teve eficácia jurídica. “A aplicação é imediata, não importa que só ficou um dia em vigor. Como teve a majoração da carga tributária, deveria ter sido respeitada a anterioridade”, afirma ela, acrescentando que a maior preocupação é ter o princípio constitucional desrespeitado. “Não importam questões políticas ou se foi por um dia, é preciso respeitar os princípios para justamente evitar que ocorram situações como essa”.
No entendimento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), porém, a decisão do STF “demonstra coerência da Corte, respeitando os entendimentos definidos anteriormente sobre o tema”. Ela reitera entendimento da AGU “de que não houve descumprimento do princípio da anterioridade”.
Segundo Rafael Bragança, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, poucas empresas serão afetadas pelo julgamento. Isso porque a liminar suspendeu as ações em março, logo depois da edição do decreto. “Mas se os contribuintes viessem a ganhar, poderiam ter um benefício”, diz Bragança, que tem três clientes discutindo o caso. Eles teriam ganho entre R$ 700 mil e R$ 2 milhões com a tese, se saíssem vencedores, acrescenta.
O impacto também é pequeno porque quem teve liminar favorável não pôde aproveitá-la. “O Código Tributário Nacional veda compensação fiscal com base em liminar, só depois do trânsito em julgado”, afirma o advogado. Ele não acredita que o julgamento afetará qualquer outro caso. “Aqui teve uma mudança de governo, o contribuinte recolhia há um bom tempo e não chegou a ter nenhum dia útil com a nova alíquota.”
Foram julgadas duas ações simultaneamente. Uma da AGU, em que pedia a validade do decreto de 2023, e outra da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), que solicitava a inconstitucionalidade do mesmo dispositivo (ADC 84 e ADI 7342).
Procurada pelo Valor, a AGU não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: VALOR