O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar duas ações que discutem a redução e posterior restabelecimento das alíquotas de PIS e Cofins sobre receitas financeiras. O relator, o ministro Cristiano Zanin, foi favorável à manutenção dos percentuais maiores, aplicados desde 2015. Até então, ele é acompanhado por Alexandre de Moraes.
A ação é considerada inédita por tributaristas pelo aspecto político e temporal. No primeiro dia de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou o Decreto nº 11.374/2023, restabelecendo as taxas de 2015 dos tributos federais (0,65% para o PIS e 4% para o Cofins). As alíquotas foram reduzidas pela metade por um decreto anterior publicado no penúltimo dia do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, de n° 11.322/2022.
Segundo a petição inicial da Advocacia Geral da União (AGU), o impacto de manter as alíquotas pela metade seria de cerca de R$ 6 bilhões ao ano para os cofres públicos. Porém, uma nota técnica da Receita Federal chegou a um valor bem menor, de R$ 1,4 milhão. O Fisco calculou o impacto orçamentário só para três meses, período da noventena, que é o analisado nas ações.
A discussão jurídica começou porque centenas de contribuintes foram à Justiça pedir para serem beneficiados com os percentuais menores de PIS/Cofins ou que pelo menos fosse aplicada a anterioridade. Alguns obtiveram decisões favoráveis. Mas em março de 2023, o ministro Ricardo Lewandowski, antigo relator, suspendeu a eficácia delas até que fosse julgado o mérito desta ação, o que ocorre nesta semana.
O julgamento começou na sexta-feira, 4, no Plenário Virtual, e os ministros têm até a próxima sexta, 11, para votar. Um eventual pedido de vista (adiamento) ou destaque (levar o caso para o plenário físico) pode interromper o julgamento.
O relator, o ministro Cristiano Zanin, na prática, manteve a liminar dada no ano passado. Na visão dele, o decreto do presidente Lula “não ofende a segurança jurídica e nem prejudica a confiança do contribuinte nos termos em que protegida pela Constituição Federal”. “O supracitado decreto, ao repristinar o artigo 1º do Decreto nº 8.426/2015, manteve as alíquotas das contribuições ao PIS/Cofins que vinham sendo consideradas pelo contribuinte desde 2015 (0,65% e 4%), o que afasta a aplicação do princípio da anterioridade nonagesimal”, afirma.
Zanin também levou em conta os princípios da responsabilidade da administração pública. Para ele, o decreto editado por Bolsonaro “reduziu significativamente as alíquotas de tributos federais no momento imediatamente anterior à conclusão da transição de governo, afronta o princípio republicano e os deveres de cooperação”, o que viola o artigo 37 da Constituição.
Nos autos, a AGU ressalta que o decreto de 2022, editado no dia 30 de dezembro, produziria efeitos apenas em 1 de janeiro de 2023, mesmo data que sobreveio o segundo decreto revogando o anterior. Portanto, a redução de alíquota “jamais chegou a se aplicar”. “Trata-se de uma disposição natimorta, que não veio a produzir efeitos na esfera jurídica dos contribuintes”, afirma.
A AGU foi quem entrou com uma das ações no STF. Enquanto ela pede para ser declarado válido o decreto de 2023, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), em outro processo, pede a inconstitucionalidade (ADC 84 e ADI 7342).
Para o tributarista Caio Cesar Ruotolo, do Silveira Advogados, que atua pela Abimaq, seria preciso respeitar o prazo de 90 dias para cobrar os tributos com a nova alíquota. “Em que pese foram somente um ou dois dias entre um decreto e outro, achamos por bem ajuizar a ação para fins de determinar que teria de se observar a anterioridade nonagesimal”, diz. Ele entende que “pela questão econômica e fiscal”, o resultado do julgamento não deve ser favorável aos contribuintes.
Bianca Boneff Mareque, sócia do Vieira Rezende Advogados, afirma que as decisões favoráveis aos contribuintes não puderam nem ser usadas, por conta da eficácia que foi suspensa pelo antigo relator. Na prática, se prevalecer o voto de Zanin, vai ocorrer a “repristinação”. “É como se a norma anterior voltasse a viger pelo decreto de 2023”, afirma.
Segundo Raphael Okano Oliveira, sócio do CTM Advogados, novamente a anterioridade foi ignorada pelos ministros, como foi no julgamento do Difal do ICMS, no ano passado. “É muito perigoso relativizar uma cláusula pétrea tributária”, diz Okano. Ele também critica as estimativas de impacto fiscal da AGU.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que “acredita que o STF manterá a linha de sua jurisprudência e confirmará a liminar concedida com o provimento da ADC 84”. A AGU não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: VALOR