O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira, 30, se é possível aplicar a imunidade tributária na importação de discos de vinil com músicas de artistas brasileiros. O primeiro voto, do relator, o ministro Gilmar Mendes, foi contra a isenção de ICMS na operação. Ele foi seguido pelos ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes.
O julgamento ocorre no Plenário Virtual e termina na próxima sexta-feira, dia 6. Como está em repercussão geral, a decisão se aplica para todos os casos semelhantes no Judiciário.
O recurso é da empresa Novodisc Mídia Digital contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que reformou sentença favorável à importadora. O juiz de primeiro grau havia entendido que a Constituição Federal concedeu o benefício fiscal a esses produtos com finalidade de “promover a cultura brasileira, bem como desestimular a pirataria”.
Para o ministro Gilmar Mendes, relator do caso no STF, a alteração legislativa “pretendia conferir a imunidade tributária para equilibrar, em relação aos produtos piratas, não apenas a etapa de comercialização de obras musicais, mas também a de produção”. O objetivo, segundo o decano, era o de combater o comércio ilegal, tornando o produto brasileiro original mais atrativo.
Por isso, só valeria para os produtos produzidos no Brasil. Se o STF permitisse a imunidade de forma ampla, “esta Corte não estaria interpretando a finalidade subjacente à norma constitucional em exame, mas, em verdade, estar-se-ia criando uma imunidade por analogia”, adiciona Mendes (ARE 1244302 ou Tema 1083).
O relator acatou os argumentos da Procuradoria-Geral da República (PGR), que também foi contra o provimento do recurso. Pelo parecer da PGR, a interpretação pretendida pela empresa “possibilitaria a replicação do debate para outros atores que integram o processo de produção de fonogramas e videofonogramas contendo obras musicais de autores brasileiros, como os serviços de streaming, importadores de dispositivos móveis como celulares e pendrives, dentre outros”.
Mendes propôs a fixação da seguinte tese: “A imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea ‘e’, da Constituição Federal não se aplica às importações de suportes materiais produzidos fora do Brasil, ainda que contenham obra musical de artista brasileiro.”
Em nota enviada ao Valor, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de São Paulo defendeu a incidência do ICMS, pois a imunidade “alcança apenas fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil”, conforme parecer da PGR e voto do relator.
Para o tributarista Guilherme Tostes, do Bichara Advogados, não há dúvidas que o dispositivo da lei busca incentivar a produção musical no Brasil. “A dúvida que fica é se essa imunidade no artigo 150 da Constituição está restrita à produção musical ou também a produção do próprio disco, da própria mídia física que vai conter essa produção musical”, afirma.
Na visão dele, o dispositivo legal dá margem a uma interpretação favorável aos contribuintes. “Existe uma linha razoável de discussão de que essa imunidade traz dois critérios, o primeiro deles, que realmente os fonogramas sejam produzidos no Brasil com obras de autores brasileiros, mas também contém outra parte que dá a entender que os suportes materiais com as obras de artistas brasileiros também estão amparados pela imunidade”, completa Tostes, acrescentando que caso fosse admitida a imunidade, também valeria para o IPI.
Já Guilherme Dometerco, sócio do Amaral, Yazbek Advogados, que representa o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) na ação, que é amicus curiae (parte interessada), cabe uma interpretação mais restritiva. “Quando a Constituição Federal previu essa imunidade, era para fortalecer principalmente a indústria nacional, não somente os artistas, mas toda a cadeia nacional de produção dessas mídias e tornar mais competitiva em face da pirataria”, diz.
Dometerco alerta que se for concedida a imunidade, poderia se buscar a aplicação da imunidade aos demais aparelhos tecnológicos, como dispositivos bluetooth e celulares. “No final, seria um prejuízo para a indústria nacional e de todos os bens de produção que geram emprego no país”, avalia.
O advogado Sérgio Pereira Cavalheiro, que representa a Novodisc no caso, foi procurado, mas não deu retorno até a publicação da matéria, assim como a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de São Paulo.
Fonte: VALOR