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São Paulo notifica milhares de contribuintes por falta de pagamento do imposto sobre doações

Milhares de contribuintes começaram a receber há pouco mais de um mês notificações da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) por suposta falta de pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Os avisos foram enviados no âmbito da Operação Loki, iniciada no fim de maio. É a primeira vez que o governo faz um procedimento fiscalizatório dessa magnitude, que envolve o cruzamento de dados próprios com os da Junta Comercial e Receita Federal.

Os avisos são um “convite” à autorregularização – não há ainda autuação ou início de ação fiscal. As cartas foram enviadas para contribuintes que, segundo a Sefaz-SP, teriam feito planejamento sucessório irregular, simulando a venda de cotas ou ações de empresas – sejam holdings familiares ou patrimoniais – para transmitir herança de forma gratuita ou por um valor menor.

Nos comunicados, a Fazenda paulista diz ter encontrado “indícios” de que a transmissão das cotas “não teria ocorrido entre partes independentes” e poderia configurar doação, tributável pelo ITCMD. Nesta primeira etapa, os avisos envolvem operações de 2020, mas as notificações devem atingir atos dos anos seguintes nos próximos meses. A operação dura até o fim de 2026.

Segundo tributaristas, o governo tem sido mais agressivo e sofisticado na fiscalização do imposto, principalmente após a criação da delegacia especializada em ITCMD no ano passado. Para eles, a Operação Loki tem intuito arrecadatório e o alvo são holdings familiares usadas para transmitir patrimônio entre pais e filhos por meio da venda de participação societária, algo permitido pela legislação.

No ano passado, o governo de São Paulo registrou recorde de arrecadação com o ITCMD, de acordo com o Relatório de Receita Tributária da Sefaz-SP. Entraram para os cofres públicos R$ 4,4 bilhões em 2023, um valor 16% maior que em 2022. O total recolhido com o imposto no ano passado ainda foi 45% superior à média da última década, de R$ 3 bilhões. Neste ano, entre janeiro e maio, o recolhimento do ITCMD levou R$ 1,5 bilhão para os cofres públicos. O tributo representa menos de 2% da arrecadação.

Para a Sefaz-SP, a venda de cotas para herdeiros não pode ter valor inferior ao patrimônio líquido ou patrimonial da holding. Nesses casos, ela entende haver “simulação do negócio jurídico”, pois a compra da participação por um montante menor configuraria uma doação, mascarada de contrato de compra e venda. A consequência é o auto de infração, com multa de 100%. Pode haver ainda uma representação fiscal para fins penais por crime contra a ordem tributária.

Em um vídeo institucional sobre a Operação Loki publicado no YouTube, o auditor fiscal da Receita Estadual Jefferson Valentin diz que quando há intenção de vender cotas de uma empresa, o vendedor “por óbvio, quer aferir o maior possível por aquele patrimônio”. E quando o comprador é um herdeiro, isso “por si só, já é um indício de que há algum tipo de mácula naquele contrato”.

É necessário verificar, contudo, acrescenta, o pagamento pelas participações societárias e se o valor de venda estaria adequado. “Quando não há comprovação de que houve pagamento por aquele patrimônio transmitido ou houve um pagamento de um valor simbólico muito menor do que vale a empresa, fica muito evidente que aquilo se trata de uma simulação, de uma ilusão negocial”, afirma o auditor fiscal, no vídeo.

Quando há um contrato, as partes têm liberalidade para transacionar o valor”
— Luiz H. M. Veronezi

Não houve, diz, “a busca por um valor melhor, houve sim a intenção de transmitir o patrimônio a título gratuito, o que caracteriza a doação”. Segundo ele, há jurisprudência favorável à Fazenda paulista no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) – os últimos acórdãos sobre o assunto, porém, têm sido mais favoráveis aos contribuintes (leia mais abaixo).

Advogados consultados pelo Valor aconselham seus clientes a esperar a próxima fase da Operação Loki, que deve vir com o envio das notificações oficiais, dando início ao processo administrativo, onde haverá espaço para o contraditório e envio dos documentos comprobatórios. O “benefício”, para quem queira se regularizar já agora, é pagar o imposto com 20% de multa – e não 100%, quando ou se vier um auto de infração no futuro. Segundo a Sefaz, 331 contribuintes fizeram a autorregularização, até a última sexta-feira, 5.

O tributarista Guilherme Saraiva Grava, do Diamantino Advogados Associados, reforça que não há problema em constituir holdings para planejamentos familiares e sucessórios. “O que é ilegal é usar a holding para esconder uma a operação de herança e doação e transformar em uma compra e venda simulada”, afirma o especialista.

Ele dá o exemplo de um imóvel de valor de mercado de R$ 1 milhão subjugado a uma empresa, cujo maior cotista é uma determinada pessoa da família. Ao invés de o imóvel ser deixado como herança, os filhos compram cotas de participação por um valor menor, de R$ 10 mil. “O herdeiro vira dono do imóvel dessa forma, mas isso não pode ser feito porque o que seria a transferência de um imóvel de R$ 1 milhão estou transformando em uma venda de R$ 10 mil”, diz Grava.

Luiz Henrique Mazetto Veronezi, sócio do PLKC Advogados, afirma que cerca de 15 clientes receberam o aviso, mas não vê as operações como tributáveis. “Em nenhum dos casos, a intenção foi transmitir patrimônio”, diz Veronezi. “E quando há um contrato de compra e venda, entendo que as partes têm liberalidade para transacionar o valor.”

A Sefaz-SP foi procurada pelo Valor , mas não quis dar entrevista sobre o assunto. Em nota, afirma que a Operação Loki não tem objetivo arrecadatório, “mas o fomento à autorregularização e a instrução dos contribuintes acerca das obrigações tributárias”. A retificação pode ser feita no site da secretaria.

Fonte: VALOR

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