O percurso da reforma tributária no Brasil atingiu mais um marco significativo com a realização da primeira reunião da Comissão de Sistematização do Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo (PAT-RTC),estabelecida pela Portaria MF 34, do Ministério da Fazenda.
Esta iniciativa dá início a uma importante etapa na efetividade da Emenda Constitucional nº 132, de 2023, indicando um avanço relevante na reformulação do sistema tributário do país. A estrutura da Comissão de Sistematização, acompanhada pelo Grupo de Análise Jurídica e 19 Grupos Técnicos, é uma indicação clara da abrangência e complexidade desta reforma. Esses grupos têm a tarefa de elaborar os anteprojetos de lei derivados da referida emenda, sublinhando a seriedade e a profundidade da revisão tributária em curso.
O Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, apresentou um cronograma acelerado para a finalização dos anteprojetos, prevendo sua conclusão entre o final de março e início de abril, um período significativamente mais curto do que os cento e oitenta dias estipulados pela EC 132. Um aspecto notável deste processo é a abordagem adotada em relação à participação da sociedade civil. Apesar da ausência inicial de uma consulta pública, Appy destacou que haverá oportunidades para o envolvimento de representantes do setor privado e da academia. Isso sugere uma estratégia progressiva e inclusiva, embora a principal arena de debate com o setor privado continue sendo o Congresso Nacional.
O objetivo do secretário é tratar em uma só lei complementar as hipóteses de incidência da CBS, da União, e do IBS, dos estados, Distrito Federal e dos municípios, assim como definição de destino, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos. A rigor, cabem diferentes interpretações entre os referidos tributos, sobretudo porque um tem natureza de contribuição, enquanto o outro de imposto, mas a ideia é encontrar uma convergência entre todos os entes sobre interpretação, fiscalização e cobrança.
Não haverá obrigatoriedade de cobrar o IBS e a CBS no ano de 2026, período de teste, pois o principal objetivo é a estruturação das informações. Em relação aos impactos da reforma, ainda não é possível mensurá-los, especialmente porque não há a definição de cada alíquota estadual e municipal. A própria lei complementar, que está sendo gestada, será responsável por estabelecer os critérios para os cálculos das alíquotas de referência, subsidiando futuramente a atuação do Tribunal de Contas da União. Já o Imposto Seletivo, não existe ainda uma definição sobre os bens e serviços tributados, mas a regulamentação não deve ir muito além de cigarros, bebidas alcoólicas e grandes poluidores.
O principal objetivo é desencorajar o consumo pelo caráter potencialmente lesivo com repercussão individual ou coletiva, conquanto o Poder Público não despreze a significativa arrecadação de receitas por esta sistemática, como vem ocorrendo até então com o IPI- Imposto Sobre Produtos Industrializados, com extinção prevista em 2027. Ao elevar o custo desses produtos por meio de uma tributação mais onerosa, espera-se reduzir ou “controlar” a correspondente demanda. A sistemática de tributação será monofásica, ou seja, incidirá uma única vez sobre a produção, extração, comercialização ou importação de produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, não sendo cobrável sobre as exportações, os setores de energia elétrica e de telecomunicações, por expressa disposição. Permite-se, por outro lado, a cobrança sob alíquota de 1% (um porcento) sobre a extração de recursos naturais não renováveis, como minérios e petróleo.
O plano para tratar dos mais de setenta pontos da reforma que requerem legislação complementar envolve a criação de três anteprojetos principais. Há também discussões sobre um quarto projeto, voltado para o tratamento do Comitê Gestor, cujo viés político ainda está sendo definido. Apesar da celebração deste marco legislativo, a verdadeira transformação depende desta etapa subsequente de regulamentação. Essencialmente, ela definirá os contornos práticos do sistema tributário reformado, atuando como o mecanismo que preenche os espaços deixados pelo texto constitucional. É preciso um processo legislativo detalhado e minucioso para garantir que a reforma atinja seus objetivos, sendo este momento tão significativo quanto à própria alteração constitucional, haja vista a responsabilidade por definir aspectos essenciais como alíquotas, contribuintes, créditos tributários, bem como regimes especiais.
Um dos principais desafios da regulamentação é garantir que a simplificação proposta pela reforma não seja perdida na prática. Há também preocupações de que aspectos fundamentais, como a não-cumulatividade e o sistema de cálculo dos tributos, possam ser interpretados de maneira que comprometam os objetivos perseguidos, sobretudo de transparência, simplicidade e eficiência. Além disso, a regulamentação enfrenta o desafio de equilibrar os interesses de diferentes entidades federativas e contribuintes, mantendo a integridade e o propósito original. A implementação da reforma tributária, portanto, enfrenta um momento decisivo e os próximos meses serão determinantes para o país.
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/reforma-tributaria-primeiro-passo-dado.ghtml
Eduardo Muniz Machado Cavalcanti é mestre em Direito pela UFPE, doutorando em Direito e Economia pela U Lisboa e sócio da Bento Muniz Advocacia.