A Receita Federal estima que o limite estabelecido para as compensaçõestributárias decorrentes de decisãojudicial pode impactar 495 empresas no país, sendo seis delas com créditosacima de R$ 1 bilhão cada. O limite,previsto para valores a partir de R$ 10 milhões , está em vigor desde o dia 5.Faz parte da Medida Provisória (MP ) nº 1.202, editada pelo ministro daFazenda, Fernando Haddad, no fim de 2023 para tentar recuperar abase de arrecadação da União e viabilizar o déficit zero neste ano.
Segundo dados da Receita obtidos com exclusividade pelo Valor via Leide Acesso à Informação, 495 empresas informaram no ano de 2023terem créditos tributários a partir de R$ 10 milhões, obtidos a partirdecisão judicial, para abater tributos devidos. Ao todo, os créditosinformados somam R$ 35,362 bilhões. O levantamento foi feito tendocomo referência os créditos informados até o fim de agosto do anopassado.
São 434 empresas com créditos entre R$ 10 milhões e R$ 100 milhões.Outras 20 companhias têm valores entre R$ 100 milhões e R$ 200milhões. Já 29, créditos de R$ 200 milhões a R$ 500 milhões. Seisempresas têm créditos de R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão e outras seis,acima de R$ 1 bilhão. Para valores inferiores a R$ 10 milhões não hálimite mensal para utilização.
Pelas novas regras, as empresas terão prazo mínimo de 12 a 60 mesespara uso dos créditos tributários, a depender dos valores. O prazomaior vale para créditos a partir de R$ 500 milhões. Antes não havialimite de tempo.
Os nomes das empresas que serão afetadas pelo limite não constam em notas técnicas do Ministério da Fazenda. Nem a estimativa elevação de receita com a medida, já que a postergação do uso doscréditos pode ter impacto positivo na arrecadação. Em coletiva deimprensa no fim do ano passado, o secretário da Receita Federal,Robinson Barreirinhas, falou em impacto positivo de R$ 20 bilhões.
Nas notas técnicas, a Secretaria de Política Econômica (SPE) doMinistério da Fazenda diz que a medida não tem impactoorçamentário-financeiro, uma vez que “se trata de mudançasadministrativas que visam resguardar a arrecadação federal ante apossibilidade de utilização de créditos bilionários para a compensaçãode tributos”.
Já a Receita Federal defende a implementação do limite para“resguardar a arrecadação federal”. “No caso de créditos oriundos deações judiciais, verifica-se que as decisões a eles relativas normalmenteabrangem período superior a um ano, sendo comum abrangeremvários anos-calendário, motivo pelo qual há um acúmulo de créditos.Para resguardar a arrecadação federal ante a possibilidade deutilização de créditos bilionários para a compensação de tributos,propõe-se que seja implementado um limite mensal à compensação”, diz o Fisco.
As empresas que não quiserem fatiar as compensações podem pedir aexpedição de precatório após a vitória na disputa tributária. Em geral, acompensação é preferida por ser uma forma mais rápida de reaver osvalores.
Hoje, existem vantagens para o governo caso a empresa opte pelosprecatórios. Se o limite anual de pagamento previsto no orçamento forexcedido, há a possibilidade de ser editada uma medida provisória e opagamento ser feito por crédito extraordinário, fora do limite do novoarcabouço e da meta fiscal, até 2026. Na prática, o governo ganhariapelo menos um ano para pagamento, tendo em vista que osprecatórios a serem pagos em 2024 são aqueles que foram inscritosaté abril de 2023.
Tributaristas ouvidos pelo Valor afirmam que as empresas afetadaspela medida estão em compasso de espera, com possibilidade dejudicialização da questão. “Há empresas com tudo engatilhado [paraentrar com ação judicial], mas que preferem esperar o prazo da MP para saber se haverá conversão em lei”, afirma Priscila Faricelli, sócia doDemarest Advogados. Há conhecimento de uma ação no SupremoTribunal Federal (STF) proposta pelo Partido Novo que questiona toda a MP nº 1.202, de 2023, o que inclui a limitação das compensações, mas não somente.
Faricelli destaca que a imposição do limite traz insegurança jurídicapara as empresas. “Se a empresa judicializar o limite, obtiver liminarque for revertida, o que acontece com a compensação? Será negada?Terá que pagar imposto com multa?”, questiona a advogada.
Existem clientes que cogitam passar a pedir pagamento por meio deprecatório, segundo a advogada, porque, no fluxo normal, já nãoconseguiam aproveitar todos os créditos. “Agora aumentou essemovimento, porque mais gente se vê na expectativa de não compensaro crédito na sua totalidade”, explica.
Priscila Faricelli afirma que a Receita Federal tem como controlar osvalores que serão compensados, diferente do que foi alegado namotivação da medida. “Quando o contribuinte faz a habilitação de crédito, ele aponta o valor, o que seria suficiente para a Receita Federal fazer suas estimativas”.
Já o coordenador de Previsão e Análise da Receita Federal, MarceloGomide, disse que 2020 foi o primeiro ano em que a Receita percebeu um crescimento acelerado do uso de compensações oriundas dedecisão judicial. “O uso [a partir daquele ano] foi muito acima do quevinha acontecendo em outros anos”, diz. “A imprevisibilidade é nageração do crédito e como vai se traduzir no descarrego daarrecadação.”
A Receita atribui à “tese do século” – a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins – o crescimento recente das compensações por decisãojudicial. Conforme mostrou o Valor, o Fisco calcula que R$ 292 bilhõesem créditos dessa tese já tenham sido utilizados pelas empresas, de2019 a agosto do ano passado, para abater tributos devidos.
Andrea Mascitto, sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados, diz que,por enquanto, as empresas estão esperando para saber se haveráconversão da MP, projetando débitos que poderiam compensar em2024 e como a trava os afetará. A advogada lembra que, quando a MPfoi publicada, as empresas já tinham seus planos para 2024. “Isso[limite de compensações] afeta até o plano de negócios da empresa.Muda a regra do jogo se ela estava querendo fazer investimentos econtava que não precisaria desse dinheiro para pagar tributos”, afirma.
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/01/24/receita-estima-que-limite-estabelecido-para-compensacoes-tributarias-afeta-495-empresas.ghtml