A Receita Federal entende que apenas uma parcela dos créditos presumidos de ICMS pode ser excluída da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. O posicionamento está em recente comunicado do órgão sobre o tratamento que deve ser dado às subvenções para investimento (benefícios fiscais), o que, para advogados, desrespeita o que foi estabelecido, em 2023, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O comunicado foi editado porque, no ano passado, foi alterada a legislação sobre o assunto. Com a Lei nº 14.789, todos os tipos de subvenções para investimento recebidas a partir deste ano passaram a ser tributados pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. A nova norma alterou a Lei nº 12.973, de 2014, que permitia, sob determinadas condições, a exclusão dos benefícios fiscais do cálculo dos tributos federais.
Segundo tributaristas, o informe é uma tentativa de ampliar a tributação dos incentivos fiscais de ICMS. O comunicado do órgão também entende que outros tipos de benefícios – como isenção, diferimento, e redução de base de cálculo – não são subvenções de investimento, mas devem ser tributadas.
Para a Receita, deve ser aplicado o mesmo racional do julgamento da “tese do século” pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, “qualquer exclusão do lucro real a esse título, seja no regime legal anterior, seja no regime atual, torna-se arbitrária e sem amparo legal”.
Essa associação, diz Luiz Fernando Sachet, sócio da Marchiori, Sachet, Bardos e Dias Sociedade de Advogados, “não tem pé nem cabeça”. “Ela tenta dizer que o ICMS [o benefício] não compõe a receita, mas como não compõe se ela quer tributar pelo PIS e pela Cofins? E como não compõe a renda se quer tributar pelo IRPJ e CSLL?”, questiona. “Não faz sentido porque o ICMS é tributo, que é custo da operação.” Na visão dele, a afirmação pode ser “um veneno que volta contra a própria Receita” e ser usada pelos contribuintes para afastar a tributação prevista na Lei 14.789.
O informe, de acordo com tributaristas, apesar de não ter força de lei, mostra que a União não considera a decisão tomada em 2023 pelo STJ em recurso repetitivo que, em tese, teria pacificado o tema. Os contribuintes se respaldam no precedente para fugir da cobrança tributária, pelos menos para os anos anteriores a 2024 – e têm saído vitoriosos nos Tribunais Regionais Federais (TRFs).
As empresas se apegam à Lei nº 12.973/2014, que no artigo 30 elenca critérios para afastar a tributação dos benefícios fiscais de ICMS, como ter reserva de lucros. O STJ, em abril de 2023, validou esse dispositivo, afirmando, porém, que não valeria para crédito presumido, só para os demais tipos de benefício fiscal (Tema 1182).
Com a Lei nº 14.789/2023, porém, todas as subvenções passaram a ser tributadas em 2024. Os contribuintes podem tomar um crédito fiscal de 25% no fim de cada ano, se aprovado pela Receita. Desde então, as empresas têm corrido ao Judiciário para afastar a aplicação da norma.
Anderson Mainates, sócio do Cascione Advogados, diz que o comunicado desrespeita o julgado do STJ. “O crédito presumido de ICMS é diferente de outras modalidades de benefício e não poderia ser tributado, porque é uma renúncia dos Estados”, afirma.
Para Rafael Nichele, tributarista do Rafael Nichele Advogados Associados, é um alerta para os contribuintes ao sinalizar que o entendimento do STJ pode ser superado. Na prática, diz, a Receita tenta abrir as portas para aumentar a tributação mesmo antes da vigência da lei de 2023. “A União, quando não ganha, fura a bola. A meu ver, essa nova lei não derruba o entendimento do STJ para casos anteriores, pois os contribuintes entraram com ação, ganharam, a decisão transitou em julgado e o Supremo não vai reanalisar”, afirma.
O aumento da base de cálculo do IRPJ e CSLL decorre da parcela dedutível do crédito presumido considerada pela Receita. Para os contribuintes, seria o valor total dos créditos concedidos pelos Estados. Mas para a fiscalização é o ganho que a empresa teve com o crédito, devendo ser abatido dele o valor total de ICMS que seria pago.
“Historicamente, os contribuintes não fazem isso. Eles consideram o valor escriturado integral do crédito presumido”, diz Anderson Mainates. “A Receita está focando no delta [variação], não no crédito presumido, contrariando o entendimento do STJ.” Segundo Sachet, a Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 55/2021 já trazia essa forma de cálculo.
Ele cita que, além do STJ, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem vários julgados favoráveis aos contribuintes sobre os incentivos. E que a própria Receita, na Solução de Consulta Cosit nº 11, de 2020, reconheceu os benefícios agora elencados no comunicado como subvenções – mas a norma foi revogada no mesmo ano pela Solução de Consulta Cosit nº 145.
Esse entendimento, contudo, afirma, destoa do sistema dos precedentes judiciais. “Escracha o descolamento com a ordem jurídica e é algo preocupante, principalmente no momento de uma reforma tributária que está se defendendo uma sintonia entre Receita, Estados e municípios. Se ela nega cumprir uma decisão do STJ, é um indicativo difícil.”
Para Sachet, é preocupante o Fisco não considerar o diferimento do ICMS como benefício. “Se você posterga o pagamento do imposto, não é incentivo fiscal, não precisa nem de convênio, mas de ato normativo do Estado. Mas quando se transfere a responsabilidade para outro contribuinte, é, sim, subvenção”, diz ele, citando sentença favorável a um cliente obtida recentemente.
Além do diferimento, créditos cedidos para o setor de transportes também não seriam incentivo fiscal, mas apenas uma forma de simplificar o pagamento do tributo. “Trata-se de créditos presumidos ditos ‘operacionais’ concedidos com a finalidade de simplificar o cumprimento das obrigações relativas à apuração do imposto. Nessa situação, a totalidade do crédito presumido de ICMS não se configura um benefício fiscal”, afirma a Receita no comunicado.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: VALOR