Por unanimidade, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a prescrição intercorrente, ou seja, o arquivamento do processo após paralisação por mais de três anos, se aplica a infrações aduaneiras.
Venceu o voto do relator, ministro Paulo Sérgio Domingues, que propôs a seguinte tese: “incide a prescrição intercorrente, prevista no artigo 1º, §1º da Lei 9.873/1999, quando paralisado o processo administrativo de apurações aduaneiras, de natureza não tributária, por mais de três anos”.
A tese define que a natureza jurídica do crédito correspondente à sanção pela infração à lei aduaneira é de direito administrativo, não tributário. Além disso, os ministros concordaram que essa prescrição não incidirá apenas se a obrigação descumprida, mesmo que inserida em “ambiente aduaneiro”, destinava-se à arrecadação e à fiscalização dos tributos incidentes sobre a operação.
A jurisprudência da 1ª e da 2ª Turmas já era favorável à aplicação da prescrição nesses casos. Agora, com a decisão na sistemática dos repetitivos, o entendimento deve ser seguido pelo Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) e pelas demais instâncias do Judiciário, com exceção do Supremo Tribunal Federal (STF). O JOTA apurou, no entanto, que a tendência é de que o Carf aguarde o trânsito em julgado do processo para aplicação da tese fixada.
Os recursos especiais (REsps) 2147578/SP e 2147583/SP foram julgados sob o rito dos repetitivos, cadastrados como Tema 1293.
Precedente favorável aos contribuintes
Ao JOTA, o advogado Hugo Funaro, que representou um dos contribuintes envolvidos no processo, explicou que, na prática, o entendimento firmado pelo STJ determina que todos os créditos que sejam originados de infrações à legislação, que não sejam nem de natureza disciplinar e nem tributária, estão sujeitos à Lei 9.873/1999.
Sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados, Funaro explica que, no caso da prescrição intercorrente, não é o rito do processo que determina qual a norma de decadência aplicada, mas sim a natureza, o motivo pelo qual aquele crédito foi constituído.
A fala do tributarista rebate o argumento utilizado na sustentação oral feita pelo procurador da Fazenda Nacional, Marcelo Kosminsky. O procurador alegou que não importava a natureza do crédito, mas a “natureza do procedimento”. Segundo Kosminsky, o procedimento da cobrança da multa aduaneira é de natureza fiscal e, por esse motivo, deveria ser tratada da mesma forma que uma multa tributária.
Na avaliação da advogada Vitória Costa Damasceno, do Piquet, Magaldi e Guedes Advogados, a lei tem o objetivo de promover segurança aos jurisdicionados, que, segundo ela, não podem ficar “indefinidamente” sob a “ameaça” de serem penalizados por fatos passados, nem de serem prejudicados pela demora administração pública.
Damasceno explica que o principal argumento da Fazenda Nacional para afastar a aplicação da lei nesse caso foi o princípio da especialidade, já que o Decreto 70.232/1972, que regulamenta o processo administrativo fiscal, não prevê hipótese de prescrição intercorrente e não estabelece prazo para a conclusão do processo. No entanto, ela aponta que as duas turmas da 1ª Seção já tinham decisões favoráveis pela aplicação da Lei 9.873/1999 sobre processos administrativos de apuração de infrações aduaneiras.
Aplicação no Carf
Especialistas ouvidos pelo JOTA afirmam que o entendimento da Corte não deve ter aplicação imediata no Carf. Um dos principais motivos é que o Regimento Interno do conselho prevê a obrigação de reproduzir as decisões de mérito, proferidas pelo Supremo e pelo STJ, apenas quando já tiverem transitado em julgado (artigo 99). O regimento também determina o sobrestamento dos processos nestes casos (artigo 100).
Há expectativa de que o julgamento reacenda o debate acerca da Súmula 11 do tribunal administrativo. Aprovado em 2006, o enunciado prevê que a prescrição intercorrente não se aplica ao processo administrativo fiscal. Como mostrou reportagem do JOTA, a jurisprudência atual no Carf é pela aplicação da súmula de forma generalizada, ou seja, sem fazer distinção para as infrações aduaneiras. Hoje, apenas a conselheira Mariel Orsi Gameiro, da 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, faz o distinguishing da súmula em relação às infrações aduaneiras.
O advogado Carlos Daniel Neto, sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, relembra que a discussão no Carf vem crescendo ao longo dos anos e é sensível devido a um episódio ocorrido em 2021. “A discussão encontrava limite na súmula Carf 11, tanto que houve uma discussão que gerou ameaça de perda de mandato para conselheiros que sustentaram o distinguishing desta súmula para créditos não tributários”, afirmou.
Agora, com a decisão do STJ, o tributarista diz que “as multas aduaneiras, mesmo julgadas pelo Carf, estão sujeitas à prescrição intercorrente de três anos, como defendemos em diversos artigos desde 2021”.
Fonte: JOTA