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Preços de transferência e as polêmicas ORDs

Seguindo o alinhamento das normas brasileiras de preços de transferência (TP) ao padrão “arm’s length” pela Lei nº 14.596/23, o novo sistema de controle de operações entre partes relacionadas intragrupo traz tanto inovações como problemáticas da experiência internacional consigo. Um dos desafios impostos às multinacionais com operações cross-border consiste nas chamadas “opções realisticamante disponíveis” (ORD), conceito segundo o qual se exige um exercício hipotético de potenciais outras alternativas que estariam à disposição do contribuinte além da concreta transação que se efetivou. Isso porque, em um cenário entre partes independentes, as potenciais alternativas disponíveis seriam consideradas antes de se optar por uma determinada transação, de modo que a alternativa mais vantajosa seria escolhida pelas partes orientadas por um exclusivo racional econômico.

Por exemplo, em uma transação de mútuo intragrupo entre a controladora do grupo (mutuante) e sua subsidiária (mutuária), esse instituto demandaria analisar quais outras possibilidades a subsidiária poderia se valer para suprir a necessidade de capital, tais como ela mesmo emitir dívida e captar recursos no mercado de capitais ou, simplesmente, obter um empréstimo junto a uma parte não relacionada, como um banco. Além disso, o exercício se prolongaria para escrutinar não apenas a forma, mas também os detalhes da transação, de modo que as condições – prazo, taxa de juros e seu tipo, moeda, assunção de risco, entre outros – podem ser colocados à prova.

Do ponto de vista sistemático, é necessário diferenciar os distintos momentos de aplicação das ORDs dentro dos quatro passos da análise de TP, a saber, (i) delineamento da transação, (ii) reconhecimento, (iii) seleção e (iv) aplicação do método de TP mais apropriado. Justamente nos primeiros dois passos é que a consideração das ORDs ganha maior relevância.

Em relação ao delineamento da transação, seu objetivo é determinar as reais condições financeiras e comerciais da transação controlada, em uma busca de substância com base nas características economicamente relevantes: termos contratuais, análise das funções, ativos e riscos, características dos bens ou serviços, circunstâncias econômicas e estratégias de negócios. Com base nisso, é possível determinar as circunstâncias fáticas, permitindo a análise de comparabilidade com transações entre partes independentes e, dessa forma, determinar se a transação afinal é “arm’s length”.

As ORDs são um fator adicional a ser considerado no delineamento da transação incrementando a análise de comparabilidade, sobretudo para determinar as condições às quais partes independentes teriam se submetido em circunstâncias similares. Esse é o posicionamento da atual legislação brasileira no artigo 7°, parágrafo 1°, da Lei n° 14.596/23 e no artigo 10 da IN RFB n° 2.161/23.

A experiência internacional pode nos dar exemplos práticos da aplicação das ORDs no delineamento da transação. No caso australiano Chevron, a Corte considerou que um mútuo intragrupo em um cenário entre partes não relacionadas deveria ser ajustado para incluir a existência de uma garantia e, dessa forma, ajustar negativamente o valor da taxa de juros paga pela entidade australiana à entidade relacionada estadounidense.

Delineada a transação, passa-se ao segundo passo da análise de TP, na qual a noção de (não) reconhecimento poderá ser usada como um instrumento disponível que permite à administração tributária desconsiderar a transação realizada como um todo, caso se verifique que a transação controlada não goza de comercialidade racional. Logicamente, por se tratar de uma medida radical, ela possui um escopo de aplicação excepcional. Essa é a atual leitura das Diretrizes da OCDE, que advertem que todo esforço deve ser feito para reconhecer a transação delineada, de forma que a mera dificuldade em se determinar o preço “arm’s length” não permite desconsiderar a transação.

Nesse passo, as ORDs desempenham um fator a ser considerado na determinação da existência da comercialidade racional, mas não são por si mesmas o único elemento determinante. Esse posicionamento também é observado no artigo 8 da Lei n° 14.596/23 e no artigo 19 da IN RFB n° 2.161/23.

Tome-se como exemplo o caso inglês Blackrock, no qual uma complexa operação de aquisição por meio de diversos mútuos intragrupo foi questionada durante a fase de reconhecimento. A Corte analisou detidamente a estrutura e se valeu de diferentes peritos técnicos para afirmar a comercialidade racional da operação, pois uma estrutura semelhante seria crível entre partes não relacionadas, ainda que necessitando de certos ajustes contratuais.

A despeito da necessidade de contextualizar sua aplicação na análise de TP e do restrito escopo dado pela legislação brasileira ancorada nas recomendações internacionais, as ORDs são um desafio às multinacionais para evidenciar potenciais alternativas presentes à época da transação e podem representar um exercício arbitrário e subjetivo pelas autoridades tributárias, gerando questionamentos legais. A experiência internacional demonstra que essas hipotetizações exigem elevado grau de evidência probatória, cujos resultados dependem das particulares circunstâncias fáticas de cada caso. Com base nisso, é recomendável que os contribuintes documentem não apenas as transações realizadas, mas o racional econômico inerente às suas posições de TP, assim como considerem se valer do recém-estabelecido processo de consulta específico.

Fonte: VALOR

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