A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) alterou as regras dos acordos para a quitação de débitos tributários – as transações. As novas previsões para a regulamentação dessas negociações estão na Portaria PGFN nº 1.457, publicada recentemente, que, apontam tributaristas, podem aumentar os questionamentos judiciais.
Para o ano que vem, a expectativa do Ministério da Fazenda é que os acordos firmados a partir de editais do Programa de Transação Integral (PTI) devem gerar R$ 26,48 bilhões aos cofres públicos. No PTI estão inclusas duas novas modalidades: uma para recuperar créditos inscritos em dívida ativa e com a cobrança judicializada e outra para tratar de grandes teses em disputa no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Também é possível fechar a transação por adesão. Nesse caso, os termos do acordo não são debatidos entre o contribuinte e o Fisco. As novas regras disciplinam esse tipo de acordo.
A Portaria PGFN nº 1.457 altera a anterior, de nº 6.757. Uma das novas regras determina que o contribuinte precisa estar em dia não só com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mas também com Receita Federal, após a assinatura do acordo.
Segundo o tributarista César Chinaglia, sócio do Chinaglia Nicacio Advogados, a exigência apertou o prazo para o contribuinte quitar novas dívidas tributárias. Ele explica que, segundo a previsão anterior, os contribuintes deveriam regularizar em até 90 dias os débitos inscritos em dívida ativa. Com a nova portaria, esse prazo de 90 dias já começa a correr a partir de sua exigibilidade, sem a necessidade de esperar a inscrição.
A diferença, acrescenta o tributarista, é grande porque não é raro levar mais de seis meses para a inscrição em dívida ativa. Na norma, lembra ele, não ficou claro ainda se essa nova exigência abrangeria os acordos já firmados.
Contudo, a PGFN esclareceu ao Valor que as novas regras aplicam-se somente às transações fechadas após a mudança. “Importante destacar que o contribuinte é alertado e tem prazo para sanar eventual irregularidade. Não se trata, portanto, de rescisão automática ou imediata”, afirma o órgão em nota.
Essa limitação para a aplicação das mudanças foi comemorada por especialistas. De acordo com Chinaglia, novidades em termos de regras para os acordos não podem retroagir. “Os termos de transação firmados entre contribuinte e Fisco são verdadeiros contratos entre as partes, os quais devem prevalecer em face de novas portarias ou atos normativos”, diz.
Para Eduardo Krutman, sócio da área tributária do escritório RMMG Advogados em São Paulo, com o esclarecimento, a PGFN assume que, antes da portaria, a manutenção da regularidade fiscal não se aplicava aos débitos que tramitavam apenas no âmbito da Receita Federal, sem inscrição em dívida ativa da União.
Outro ponto que tinha levantado preocupações entre os contribuintes é a determinação, pela nova portaria, de que a PGFN não pode mais abrir editais que contemplem débitos instituídos há menos de 90 dias (artigo 41 da portaria original).
Assim, segundo aponta Rodrigo Bevilaqua, sócio da área tributária do Cescon Barrieu, a PGFN deixa claro que débitos novos não podem ser incluídos em novos acordos de transação. “Essa mudança tem potencial para alterar a dinâmica das transações, quando conjugada com a primeira regra, da obrigação de regularidade mais cedo”, afirma.
O especialista explica que os débitos novos precisam ser regularizados no momento em que se tornam exigíveis, ou seja, quando o contribuinte tem uma dívida nova que declarou e ainda não pagou, por falta de caixa ou qualquer outro motivo. Durante o prazo necessário para essa regularização, não é possível firmar um novo acordo de transação tributária. Dessa forma, só resta ao contribuinte a opção de parcelamento ordinário, que não oferece nenhum tipo de benefício.
Na resposta enviada ao Valor, a PGFN admite que a intenção é esta. “As mudanças propostas pela Portaria PGFN nº 1457/2024 buscam reforçar o caráter resolutivo da transação tributária. O contribuinte que firmar acordo com a União deve agir e assumir compromisso de manter-se regular. A transação não é destinada a ser o instrumento de pagamento ordinário dos tributos”, afirma o órgão.
Segundo Krutman, do RMMG Advogados, apesar da boa intenção, o empecilho criado para a regularização dos contribuintes pode motivar a judicialização. “Quando se cria um critério de exclusão sem embasamento legal, apenas com base em dispositivo regulamentar, acaba-se abrindo margem para questionamento”, diz. “Já vimos isso acontecer em outros casos de programas de incentivo à regularização de dívidas tributárias, como o Refis, por exemplo.”
Fonte: VALOR