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Novo programa de repatriação mantém polêmica sobre declaração e cálculo do IR

A principal polêmica dos programas de repatriação dos anos de 2016 2017 voltou à tona. A regulamentação da Lei nº 14.973, que reabre o Regime Especial de Regularização Geral de Bens Cambial e Tributária (RERCT), deixa brechas para interpretações sobre usar a “foto” ou o “filme” para fazer a declaração dos ativos e o cálculo do imposto de 15% e da multa de 15%.

Quando é usada a “foto” trata-se do valor do patrimônio na data de corte para adesão ao programa – desta vez, 31 de dezembro de 2023. Já o “filme” consideraria as oscilações desses ativos nos últimos cinco anos, ou seja, no período entre 31 de dezembro de 2018 e 31 de dezembro do ano passado.

Essa inconsistência aparece em pelo menos dois pontos da Instrução Normativa da Receita Federal nº 2.221, publicada na sexta-feira, para regulamentar a Lei nº 14.973. O artigo 3º diz que o RERCT aplica-se a todos os recursos, bens ou direitos de origem lícita de residentes ou domiciliados no país até 31 de dezembro de 2023, “incluídas as movimentações anteriormente existentes”. Já o artigo 7º determina que a descrição dos recursos, bens ou direitos deverá constar da declaração de regularização, mesmo se não houver saldo em 31 de dezembro de 2023.

“Continua a polêmica da foto ou filme. Pela IN, mesmo quem não tem valor nenhum em 31 de dezembro de 2023 deve declarar, o que quer dizer que tem que contar o histórico”, afirma a advogada Thaís Françoso, sócia do FF Advogados.

Em 2016 e 2017, a Receita Federal defendeu o uso de todas as movimentações patrimoniais. Contudo, os especialistas, em geral, adotaram o valor dos ativos na data de corte – na época 31 de dezembro de 2014 – para o cálculo do imposto e da multa. “Naquele momento, orientamos os clientes a declarar pelo ‘filme’ e pagar com base na ‘foto’ e não houve problema”, diz Thaís.

O advogado tributarista Matheus Bueno, do Bueno Tax Lawyers, pondera o atual contexto político e econômico. “Das famílias que atendemos para a adesão à repatriação lá atrás, as que pagaram e declararam pela ‘foto’ não tiveram problemas com o Fisco, mas agora, com a atual busca por arrecadação, não sei como será”, afirma.

No ano de 2019, a Receita Federal chegou a notificar contribuintes donos de offshore no exterior que aderiram ao RERCT, em 2016 ou 2017, por suspeita de que os bens declarados teriam sido subavaliados para reduzir o pagamento do IR e escapar de qualquer risco de acusação de crime de evasão de divisas. Mas não se soube de casos de notificação pelo uso da ‘foto’ na repatriação.

A IN diz também que as informações prestadas no RERCT não são passíveis de compartilhamento com os Estados, Distrito Federal e municípios. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) vedou o compartilhamento de informações prestadas no RERCT (ADI 5729). Mas, alerta Thaís, como o contribuinte terá que informar na declaração anual do IR bens transferidos ou doados, “essas informações acabam sendo compartilhadas para a cobrança de ITCMD”.

Para Bueno, especialmente porque a reforma tributária poderá aumentar a alíquota do ITCMD, tem muito mais gente preocupada com a questão e que poderá aproveitar a oportunidade do RERCT para transferir a titularidade. A Emenda Constitucional nº 132, de 2023, instituiu a cobrança progressiva de ITCMD. Assim, quanto maior o valor do patrimônio, mais alta a alíquota, que vai de 2% a 8%.

“Não deve ser o sucesso de 2016, mas já temos reuniões agendadas”, diz o advogado. Naquele ano, 25 mil pessoas físicas e 100 empresas aderiram, gerando arrecadação de R$ 46,8 bilhões. Em 2017, foram 1.915 pessoas físicas e 20 empresas, com arrecadação de R$ 1,6 bilhão.

O advogado acredita que um ponto de provável discussão será como comprovar a licitude de patrimônio de gerações atrás, fruto de herança. “Por outro lado, o artigo 22 da IN deixa evidente que o Fisco só poderá contestar a origem do ativo se tiver algum indício, não pode exigir a comprovação imediata”, diz.

Funcionário público, político e parentes são a maioria dos que devem aderir”
— Marcos Paiva

Segundo o advogado Marcos Paiva, sócio do Choaib Paiva e Justo Advogados Associados, como nem a lei que reabriu o programa de repatriação nem a IN que a regulamenta mencionam vedação a político, funcionário público e parentes de aderir ao RERCT, desta vez eles também podem aproveitar os benefícios de pagar IR e multa em percentual reduzido e de ficar isento de eventuais crimes como os de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

“Devem ser a maioria agora no programa porque não podiam entrar antes, o que foi uma falta de isonomia”, afirma Paiva. “Se a origem dos ativos é lícita, tanto faz quem vai entrar na anistia”, acrescenta. Em 2017, o irmão do ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), Carlos Jereissati, teve que recorrer ao Judiciário para participar do programa de repatriação. A juíza da 9ª Vara Cível de São Paulo Cristiane Farias Rodrigues dos Santos deu liminar favorável a ele por considerar que a vedação não deveria ser aplicada a familiares.

Outra diferença em relação à repatriação de 2016 e 2017, destaca Paiva, é que quem deve declarar o valor de trust à Receita é o beneficiário. “Nas duas primeiras anistias tanto o beneficiário quanto o instituidor do trust poderiam fazer isso”, diz.

A Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat) pode ser enviada e retificada até o dia 15 de dezembro. Mas há obrigações paralelas como a retificação da declaração de IR do ano-base de 2023.

A advogada Ana Utumi, do Utumi Advogados, lembra também que, em 2016 e 2017, foi muito difícil convencer os bancos estrangeiros a mandarem informações sobre contas via SWIFT, um sistema usado para a transferência de recursos, não de informações. “Na nova legislação, há de novo a obrigação de obter a confirmação dos saldos no exterior via SWIFT”, afirma.

Porém, desta vez, aponta Ana, a Dercat será enviada ao mesmo tempo para a Receita e o Banco Central. “Não será necessário retificar a DCBE [Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior], pois as informações fornecidas para a Receita serão compartilhadas com o Banco Central, o que elimina o risco de aplicação de multa por atraso na entrega da DCBE”, diz. De acordo com a IN, para a atualização cambial deverá ser usada a cotação do dólar em 31 de dezembro de 2023.

A regulamentação detalha ainda que se, até o dia 16 de setembro deste ano, o contribuinte já pagou IR e multa sobre ativo que agora poderia ser incluído no RERCT, não pode voltar atrás. E quem tiver autuação fiscal após essa data sobre ativos incluídos no programa de regularização, pode desconsiderar.

Será excluído do RERCT o contribuinte que apresentar declarações ou documentos falsos. Nesse caso, diz a IN, o contribuinte será notificado e terá dez dias para contestar ou deverá quitar tributo e multa integralmente, com juros, além de poder responder pela dívida na esfera administrativa, cível e penal.

Fonte: VALOR

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