A Justiça tem dado razão aos contribuintes e determinado a exclusão do adicional de ICMS destinado a fundos estaduais de combate e erradicação da pobreza da base de cálculo do PIS e da Cofins. Duas sentenças recentes, uma de Juiz de Fora, em Minas Gerais, e outra de Macaé, no Rio de Janeiro, afastaram o entendimento manifestado pela Receita Federal por meio da Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 61/2024.
Com a norma, que deve ser seguida por todos os auditores fiscais do país, o órgão buscava restringir o alcance da “tese do século”, que excluiu o ICMS da base do PIS/Cofins (Tema 69 do Supremo Tribunal Federal). O aumento da carga tributária com a inclusão do adicional no cálculo das contribuições sociais é da ordem de 10% a 20%, segundo tributaristas.
Esses fundos, conhecidos como FECP ou Fecop, foram criados pela Emenda Constitucional nº 31/2000 e depois regulamentados por alguns Estados. O percentual cobrado varia de 1% a 4% e é exigido em quase todos os produtos.
No Rio de Janeiro, onde foi dada uma das sentenças, foi regulamentado pela Lei nº 4.045/2002. Ele serve, por exemplo, para custear transporte para alunos do ensino médio de escolas públicas e manter centros de reabilitação para dependentes de bebidas alcoólicas, dentre outros.
O que motivou a ida da empresa ao Judiciário, afirma o advogado, foi justamente a solução de consulta da Receita Federal, publicada em março deste ano. Antes, não havia discussões sobre o assunto, tampouco jurisprudência, acrescenta, porque o contribuinte não tinha dúvida de que o adicional deveria ser excluído.
“É um adicional do imposto [ICMS], então nunca foi necessário brigar pela exclusão. Por decorrência lógica, ele nunca foi tratado de forma segregada do ICMS”, afirma Roberto Cecotto.
Foi localizado apenas um acórdão de 2022 do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) sobre o tema. A decisão, porém, é mais abrangente, permitindo não só a exclusão do adicional, mas também do Difal (diferencial de alíquotas) do ICMS do cálculo do PIS/Cofins, com base no Tema 69 do Supremo (processo nº 5017547-61.2021.4.02.5101).
Segundo Cecotto, a publicação da Cosit “acendeu uma luz amarela” para os contribuintes e houve até receio de buscarem o Judiciário e terem respostas negativas. “A Fusão foi mais corajosa e, nesse mandado de segurança, a gente mostrou que a alíquota do fundo não é um tributo à parte e não tem natureza cumulativa. É uma receita transitória e não é do contribuinte, é do Estado”, afirma o advogado.
O pedido de liminar foi negado em um primeiro momento, mas foi concedido em segundo grau. Na sentença, dada após a decisão do TRF-2, o juiz Victor Roberto Corrêa de Souza, da 1ª Vara Federal de Macaé, entendeu que não há dúvida “de que esses adicionais possuem a mesma natureza dos impostos sobre os quais incidem, já que o constituinte em nenhum momento pretendeu criar nova figura tributária, que, ao final, seria de duvidosa constitucionalidade, tendo em vista a limitada capacidade de Estados e municípios criarem novas contribuições”.
Na visão do magistrado, “nem mesmo a destinação vinculada desse adicional é capaz de afastar sua natureza de imposto, já que tributo se determina não pelo seu destino, mas pelo seu fato gerador”, como determina o artigo 4º do CTN, o Código Tributário Nacional (processo nº 500264808.2024.4.02.5116).
Também entendeu dessa forma o juiz Ubirajara Teixeira, da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG), ao julgar o caso da Rafer, empresa que atua no mercado de ferro e aço. “O adicional FECP desfruta de natureza semelhante ao ICMS, de sorte que a empresa apenas o arrecada e repassa ao Estado, sem incrementar seu faturamento próprio. Do contrário, haveria um acréscimo artificial na receita da empresa, ampliando ilegitimamente as grandezas passíveis de tributação através do PIS/Cofins”, afirma ele (processo nº 6005420-78.2024.4.06.3801).
A advogada Adriana Stamato, sócia de tributário do escritório Trench Rossi Watanabe, diz que a solução de consulta “confirmou um receio dos contribuintes”. “Não era uma dúvida, mas um receio do que a Receita Federal fosse entender”, diz. Na visão dela, não se trata de uma tese filhote. “As empresas estão ingressando em juízo para ter um conforto em função da solução de consulta, mas não deveria haver entendimento diferente, como o próprio Judiciário tem colocado nessas decisões”, avalia.
Ela discorda do entendimento da Receita Federal, que também veda a tomada de crédito de ICMS sobre a parcela destinada aos fundos. “Isso não é verdade. A regra geral é que ele é não cumulativo e dá sim direito a crédito”, afirma Adriana. Para a advogada, o mesmo Tema 69 se aplica, pois os valores não fazem parte da receita bruta ou faturamento da empresa.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: VALOR