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Justiça anula IPTU de R$ 17 milhões de shopping paulistano

Uma sentença recente da Justiça de São Paulo anulou a cobrança de IPTU de R$ 17 milhões para um grande shopping center na capital paulista. De acordo com a decisão, a prefeitura errou a classificação do padrão de construção do imóvel, o que a fez aplicar uma base de cálculo maior do que o realmente devido.

A decisão do juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara de Fazenda Pública, provoca uma redução de quase 50% no valor do imposto e obriga a prefeitura refazer o lançamento da obrigação tributária no valor de R$ 9,8 milhões.

Além do shopping, outras empresas podem se beneficiar da sentença favorável, segundo especialistas. “Muitos empreendimentos em São Paulo estão pagando 30% a mais do que deveriam, porque a prefeitura não tem uma avaliação rigorosa do empreendimento”, defende Juliana Cordoni Pizza Franco, do Rocha Franco Advogados Associados, que representa o shopping no processo.

Para o magistrado que proferiu a sentença, a cobrança deve considerar o padrão construtivo predominante do imóvel. No caso, segundo a perícia, era mais de 60% constituído por garagens, docas, depósitos e áreas técnicas. As áreas nobres, onde estão as lojas, praça de alimentação e cinema são minoria. Por isso, ele indicou “vícios no lançamento” e anulou a cobrança.

Com base na jurisprudência, há chances da sentença ser mantida na segunda instância. Esse argumento da área preponderante tem sido aceito pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) em casos de outros empreendimentos, como fábricas, centros de distribuição e farmácias. A recente sentença é importante porque para shopping centers há poucos precedentes.

Segundo Juliana, advogada do shopping, ela precisa entrar com ação anulatória todos os anos para reaver o IPTU cobrado a maior. Diz já ter pedido a correção do padrão do imóvel no sistema da prefeitura, em processo administrativo, mas não houve sucesso.

Isso porque o governo municipal entende que as decisões judiciais valem apenas para o exercício financeiro de um ano específico. “Para o cliente, é absurdo imaginar que ele tem decisão que concede o direito de ter um padrão inferior em razão da área preponderante, e ele está sendo cobrado”, diz.

Na última decisão, de março deste ano, foi anulado o IPTU de 2021. Pela perícia, o padrão predominante de construção é o 4-B (maior parte é de áreas simples) e não o 4-E (maior parte é de áreas nobres), como lançou a prefeitura. Essa classificação é um dos elementos para calcular o valor venal do imóvel, como dispõe a Lei Municipal nº 10.235/1986. Também são considerados a área e o fator de obsolescência, conforme a idade do prédio.

Para o juiz, houve erro da Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz) na classificação tanto do padrão construtivo quanto do fator de obsolescência. “O fator encontrado pelo perito judicial demonstra que o lançado pela Municipalidade também padece de erro. Assim, verifica-se que restaram demonstrados vícios no lançamento aptos a ensejar a sua anulação”, disse o juiz (processo nº 1008558-47.2021.8.26.0053).

Nas decisões da 14ª e 15ª Câmaras de Direito Público do TJSP, chegou-se a entender que o padrão construtivo preponderante correto era o 4-C. Nesses casos, a prefeitura argumentou que, quando a área preponderante for diferente da atividade principal da edificação, “poderá ser adotado critério diverso, a juízo da Administração”, conforme exceção legal (processos nº 1056837-35.2019.8.26.0053 e nº 1009314-90.2020.8.26.0053).

Para Juliana Franco, essa exceção usada pela prefeitura é inconstitucional. “Uma lei não pode estabelecer critérios que não sejam objetivos. E a lei é de 1986, não foi recepcionada pela nossa Constituição, de 1988”, afirma, acrescentando que a cobrança é “arbitrária”.

“O empreendimento tem mais de 200 mil metros quadrados e a prefeitura lança como se fosse 100% o padrão de construção melhor que existe, mas são oito andares de estacionamento. Isso eleva o valor do metro quadrado absurdamente”, diz Juliana.

Um outro precedente envolve o Shopping Interlagos, também em São Paulo, que pediu anulação do IPTU de 2003. O caso discute a área preponderante e a aplicação de alíquotas progressivas. A sentença anulou a cobrança também por erro do padrão construtivo e fator de obsolescência do imóvel, o que aumentou o tributo em 25%. O juízo inclusive pediu a correção dos lançamentos pela municipalidade para os anos seguintes.

No TJSP, a prefeitura tentou contestar e reverter a sentença, mas os argumentos não foram acatados e ela foi mantida, em 2014. Houve ainda recurso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas o ministro Humberto Martins, relator do caso, negou seguimento por óbices processuais, em 2016 (processo nº 0008377-93.2003.8.26.0053 e AREsp nº 838782).

Segundo Bruno Sigaud, sócio do Sigaud Advogados, uma decisão judicial sobre o tema depende muito do caso concreto, pois cada imóvel tem suas especificidades, e os juízes se baseiam quase que unicamente nos laudos. “Não é uma tese de mérito, mas esbarra em produção de prova. O tribunal de São Paulo costuma validar o laudo pericial”, afirma.

Sigaud também diz que tem crescido nos últimos ano o volume de erros no lançamento da cobrança de IPTU no município de São Paulo. “Tem aumentado uma postura da prefeitura em revisitar as cobranças de modo a alterar o padrão construtivo para gerar mais arrecadação. Mas isso vem sendo combatido no Judiciário”, conclui.

A arrecadação do município de São Paulo com o IPTU aumentou mais de R$ 5 bilhões nos últimos cinco anos, segundo dados da prefeitura. Em 2019 foram R$ 11,1 bilhões arrecadados e, em 2023, foram R$ 14,9 bilhões.

O tributarista Leiner Salmaso Salinas, sócio do PLKC, explica que esse tipo de decisão não chega a ser uma tese geral porque quase sempre é baseada em perícia. “É preciso ver se o enquadramento que a prefeitura faz está correto ou não. É um trabalho de engenharia que precisa ser feito para verificar se obedece às diretrizes da lei municipal”, afirma. Esse tipo de erro no lançamento, acrescenta, é difícil de ser percebido e questionado por pessoas físicas, por conta dos custos de perícia.

Para empresas, o IPTU também não costuma ser prioridade em tema tributário. “Não é um tributo que as empresas que não sejam imobiliárias dão muita importância”, afirma a advogada Adriana Stamato, sócia do Trench Rossi Watanabe. Mas, em casos como esse, em que a economia é superior a R$ 9 milhões, vale a pena o investimento na discussão. “Pode ser uma oportunidade, que tem sido acolhida pelo Poder Judiciário”, conclui.

Sobre a possibilidade de correção do lançamento administrativo, a Sefaz diz, por meio de nota, que “há procedimento próprio e específico para solicitar avaliação especial de valor do imóvel para fins de IPTU, o qual poderá, se deferido, produzir efeitos para exercícios posteriores”. Em razão do “sigilo do contribuinte”, não quis se manifestar sobre as decisões e ações judiciais em curso.

Fonte: VALOR

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