O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tributo municipal incidente sobre a transmissão de bens imóveis inter vivos por ato oneroso. No entanto, a Constituição prevê uma imunidade tributária específica para operações de integralização de capital social por meio da incorporação de bens imóveis ao patrimônio da empresa. Essa imunidade, regulada pelo artigo 156, §2º, inciso I, tem sido objeto de intensa controvérsia entre os contribuintes e os municípios, especialmente após a fixação da tese do Tema 796 pelo Supremo Tribunal Federal, que limitou a imunidade ao valor do capital integralizado.
Apesar da clareza da norma constitucional, diversos municípios vêm adotando interpretações restritivas para ampliar a cobrança do ITBI, argumentando que o valor venal do imóvel deve prevalecer sobre o valor declarado na integralização, o que gera impactos financeiros significativos para as empresas. O recente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que trata da imunidade tributária do ITBI na Apelação nº 1001862-23.2024.8.26.0624, evidencia essa disputa e reforça a necessidade de um debate sobre a constitucionalidade dessas práticas municipais.
Contextualização sobre o ITBI
O ITBI tem sua competência atribuída aos municípios pelo artigo 156, inciso II, da Constituição, incidindo nas transmissões onerosas de propriedade imobiliária. No entanto, a própria Constituição estabelece, em seu artigo 156, §2º, inciso I, que o ITBI não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, salvo se a atividade preponderante da empresa for imobiliária.
Essa regra tem como objetivo evitar a tributação de operações societárias legítimas, promovendo segurança jurídica e estimulando o crescimento empresarial. Contudo, o que deveria ser uma garantia constitucional tem sido relativizado por interpretações municipais que buscam tributar o excedente do valor venal sobre o valor integralizado, mesmo sem previsão expressa na Constituição.
Previsão legal da imunidade incondicionada para empresas sem atividade imobiliária
O artigo 156, §2º, inciso I da Constituição estabelece claramente a imunidade incondicionada do ITBI para a integralização de capital social em empresas que não tenham atividade preponderantemente imobiliária. Essa norma tem respaldo no Código Tributário Nacional (CTN), que em seu artigo 36, inciso I, define que o ITBI só incide sobre a transmissão onerosa de bens imóveis, respeitadas as imunidades previstas constitucionalmente.
A interpretação literal e sistemática da norma constitucional indica que não há qualquer condicionante quanto ao valor do imóvel para que a imunidade se aplique. No entanto, o STF, no julgamento do Tema 796 (RE nº 796.376/SC), fixou o entendimento de que a imunidade não alcança o valor que excede o capital integralizado, permitindo que os municípios tributem essa diferença.
Essa decisão gerou debates sobre sua compatibilidade com o texto constitucional, uma vez que a Constituição não faz qualquer distinção entre o valor integralizado e um eventual excedente. O entendimento fixado pelo STF abriu margem para interpretações municipais ampliativas, muitas vezes aplicadas de forma arbitrária.
O que é considerado atividade preponderantemente imobiliária?
A exceção à imunidade do ITBI ocorre somente quando a empresa beneficiada pela integralização de capital social exerce atividade preponderantemente imobiliária. O próprio CTN, em seu artigo 37, define essa atividade como sendo aquela em que, nos dois anos seguintes à aquisição do imóvel, mais de 50% da receita bruta da empresa decorra da venda, locação ou administração de imóveis próprios.
Essa regra impede que empresas do ramo imobiliário se beneficiem indevidamente da imunidade, mas não pode ser aplicada para restringir a imunidade de empresas com outras finalidades empresariais. No caso analisado no acórdão do TJ-SP, a empresa Agropecuária Tangará Ltda. demonstrou que sua atividade principal estava ligada ao setor agropecuário, o que exclui a possibilidade de tributação com base na exceção prevista no artigo 156, §2º, inciso I, da Constituição.
A arbitragem dos municípios sobre o excedente do valor integralizado
Nos últimos anos, diversos municípios têm adotado a prática de arbitrar um valor venal superior ao declarado na integralização e, com base nisso, exigem ITBI sobre a suposta diferença. Essa prática se baseia na interpretação do Tema 796 do STF, que permite a tributação do valor que excede o capital subscrito.
No entanto, essa prática administrativa é altamente questionável, pois:
1. A Constituição não impõe qualquer limitação ao valor do imóvel integralizado;
2. O município não pode presumir, sem um procedimento formal, que há subfaturamento na operação;
3. O arbitramento deve respeitar o contraditório e a ampla defesa, conforme prevê o artigo 148 do CTN.
O caso analisado no TJ-SP demonstra essa problemática. O município de Tatuí tentou tributar uma diferença de R$ 5.552.929,63, sob a alegação de que o valor venal do imóvel era superior ao capital integralizado. Entretanto, o Tribunal decidiu a favor do contribuinte, entendendo que não havia excedente real na operação.
A inconstitucionalidade da tributação sobre o excedente
O principal argumento contrário à tributação sobre o excedente é a própria letra da Constituição, que não faz qualquer ressalva sobre o valor dos bens integralizados. A condição estabelecida pelo STF no Tema 796 não encontra amparo no texto constitucional, gerando um risco de violação ao princípio da legalidade tributária e da segurança jurídica.
Além disso, essa prática dos municípios fere o princípio da capacidade contributiva, pois:
- Empresas que não atuam no setor imobiliário estão sendo tributadas sem justificativa legal;
- A interpretação do STF não pode criar condições não previstas no texto constitucional;
- O Tema 796 se limita ao valor excedente do capital subscrito, mas sua aplicação vem sendo distorcida por municípios que arbitrariamente elevam o valor venal dos imóveis.
O caso julgado pelo TJ-SP confirma essa inconstitucionalidade ao afastar a cobrança do ITBI sobre o suposto excedente, reconhecendo que não houve excesso de valor na integralização.
Conclusão
A imunidade do ITBI prevista no artigo 156, §2º, inciso I da Constituição busca incentivar a integralização de capital social sem entraves tributários. No entanto, a limitação imposta pelo STF no Tema 796 tem sido utilizada de forma arbitrária pelos municípios, que passaram a tributar operações legítimas com base em valores venais questionáveis.
O acórdão do TJ-SP na Apelação nº 1001862-23.2024.8.26.0624 reforça que não se pode presumir automaticamente a existência de um excedente tributável, garantindo a segurança jurídica aos contribuintes. Diante disso, a cobrança de ITBI sobre valores arbitrados sem um critério objetivo e constitucionalmente previsto deve ser considerada inconstitucional, pois extrapola os limites do próprio texto da Constituição.
A controvérsia sobre esse tema reforça a necessidade de revisão da tese do Tema 796 pelo STF, para evitar distorções que prejudicam empresas e criam instabilidade jurídica no ambiente de negócios.
FONTE: CONJUR