O contribuinte conseguiu derrubar, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), outra argumentação adotada pela Receita Federal para cobrar Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre rendimentos remetidos a cotistas estrangeiros de Fundo de Investimento em Participações (FIP). O julgamento foi realizado pela 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção, que já havia desconsiderado, em outros casos, a alegação de pagamento a beneficiário não identificado.
Desta vez, em julgamento que beneficia a administradora do fundo RW Brasil FIP, os conselheiros entenderam que não se aplicaria também o argumento de que se perde o benefício da alíquota zero quando o cotista titular, isoladamente ou com pessoas a ele ligadas, tem 40% ou mais das cotas emitidas pelo fundo. Esse requisito está no artigo 3º da Lei nº 11.312, de 2006, que exige ainda que o beneficiário não esteja em paraíso fiscal.
A autuação cobra R$ 243,6 milhões – R$ 81,87 milhões de IRRF, referente a 2014, mais multa de 150% e juros de mora. Nela, a Receita Federal alega que, apesar de os investidores serem residentes fora do país, estariam sob controle comum e representariam grupos econômicos, detendo, em conjunto com pessoas a eles ligadas, 40% ou mais da totalidade das cotas emitidas pelo fundo. A fiscalização no caso, segundo especialistas, considerou “pessoa ligada” ao cotista o próprio gestor do fundo.
O outro motivo para a autuação já foi afastado pela turma em outros julgamentos: a que exige a perfeita identificação do investidor, seja ele residente ou domiciliado no Brasil ou no exterior. Para a Receita, é condição essencial para a identificação do regime tributário aplicável.
A decisão foi unânime. No voto, o relator, conselheiro José Eduardo Dornelas Souza, afirma que a legislação traz um conceito específico de parte ligada, que deve ser devidamente observado. “Quer se adote a definição de controle ou a de influência significativa, ambas incluídas no artigo 243 da Lei das SA, em nenhum caso se pode entender que o mero gestor do patrimônio do fundo, terceiro contratualmente vinculado, seja definido como parte relacionada”, afirma ele, no voto.
O dispositivo da lei societária, segundo o relator, pressupõe que exista efetiva participação societária entre empresas. Para existência de relação de controle societário, acrescenta, exige-se que a controladora detenha direitos de sócio sobre a entidade controlada que lhe assegurem a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
No caso, depois de analisar as estruturas de investimento adotada, o relator concluiu que a forma jurídica como as relações foram contratadas, tanto no Brasil como no exterior, não altera a natureza da relação entre a gestora e os sócios investidores. “Não há qualquer equivalência com uma relação tradicional de sócio controlador e sócios minoritários, ao contrário, ressalte-se a relação em que a gestora atua como prestador de serviços no âmbito da alocação de capital dos sócios investidores que o contratam, à semelhança de gestores de recursos regulados pela CVM [Comissão de Valores Mobiliários] no Brasil”, afirma o conselheiro, afastando a restrição para o aproveitamento do benefício da alíquota zero.
Ainda de acordo com o relator, a referência para a aplicação dos 40% é somente o beneficiário direto, isto é, aquele que detém as cotas do FIP. “Por mais que eventuais participações de pessoas ligadas sejam consideradas, elas somente são somadas à participação que o cotista titular das cotas possui”, diz.
O beneficiário titular das cotas de que trata o artigo 3º da Lei nº 11.312, de 2006, afirma, é o cotista, primeiro nível. “É essa a pessoa jurídica que precisa satisfazer os requisitos trazidos pela lei na qualidade de cotista beneficiário, sendo incorreto, a meu ver, exigir o cumprimento dos requisitos de outras pessoas da estrutura de investimento, que sequer são cotistas do FIP”, diz.
Na ausência de dolo, fraude ou simulação, acrescenta, a jurisdição do investidor direto deve ser considerada a origem do investimento, para fins de determinação do regime tributário aplicável, sendo irrelevante conhecer o beneficiário final (processo nº 16561.720001/2019-77).
Segundo o advogado Leandro Cabral, sócio no Velloza Advogados, esse caso tem alguma semelhança com outros julgados pela mesma turma por envolverem investidor não residente. Ele destaca que a Receita Federal começou a analisar mais de perto ou criticar mais o benefício da alíquota zero de investidor não residente.
No caso, acrescenta, o fiscal considerou como “pessoa ligada” ao cotista o próprio gestor do fundo. “O fiscal deu um passo que o Carf entendeu ser indevido, ao considerar pessoa ligada alguém que a própria lei não traz.”
Fonte: VALOR