A Ambev conseguiu, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), vencer disputa contra a Receita Federal sobre uso de fundo de investimento como mecanismo de hedge. A decisão, por maioria de votos, é da 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção, que derrubou cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL no valor de R$ 1,55 bilhão, conforme indicado no processo.
A companhia recebeu três autuações fiscais sobre o assunto e, com esse julgamento, conquistou sua terceira vitória em turmas baixas do Carf. As outras duas ainda não foram levadas à Câmara Superior – última instância do tribunal administrativo.
A autuação analisada pela 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção decorre da desconsideração do Fundo Júpiter, por alegação de planejamento tributário abusivo. Os valores de impostos cobrados são referentes ao ano de 2010 (processo nº 16561.720180/2015-19).
Para a Receita Federal, o uso de fundo de investimento para realização de operações com derivativos (swap/hedge), da qual a Ambev era cotista única, deve ser considerado planejamento tributário abusivo – pelo fato de o fundo não ter autonomia para atuação no mercado.
A fiscalização, no caso, desconsiderou dedução de imposto de renda pago no exterior e estimativas compensadas, mas não homologadas, assim como perdas incorridas em operações praticadas em mercados de renda variável e de swap.
No caso das perdas, a Receita considera que só seriam dedutíveis até o limite dos ganhos obtidos em operações da mesma espécie. Já quanto à dedução de imposto pago no exterior, alega que os valores recolhidos foram desconsiderados por não haver comprovação da legitimidade do abatimento e que estimativas de IRPJ compensados não foram homologadas.
No Carf, prevaleceu o voto do relator, conselheiro Fredy José Gomes de Albuquerque. “Não há dever fundamental de pagar ilegalmente tributo, tanto quanto inexiste dever fundamental do contribuinte de sujeitar-se a excessos ou a qualquer exigência que não esteja objetivamente parametrizada pela licitude”, afirma no voto.
Ainda segundo o conselheiro, não houve simulação, dolo, fraude, conluio, nem se comprovou ausência de propósito negocial. Também não foi identificada omissão de registros contábeis nos balanços da companhia e do fundo.
A Ambev era cotista do fundo, que recebia aportes financeiros para investimento em multimercado, inclusive em derivativos. O objetivo dos aportes era a proteção do patrimônio da empresa contra variações de taxas de juros, commodities e taxa de câmbio às quais se vinculavam suas operações comerciais e também atender finalidades regulamentares, segundo consta no voto do relator.
As respostas da Ambev ao Fisco, acrescenta o conselheiro, indicaram que a administração direta de instrumentos financeiros não refletia a atividade econômica preponderante da empresa. Portanto, optou por criar o Fundo Júpiter, que veio a ser administrado pelo BTG Pactual.
Se as operações com derivativos fossem atribuídas diretamente à Ambev (por meio da desconsideração do fundo), de acordo com o relator, a Ambev só poderia deduzir perdas com swap até o limite dos ganhos. Se mantidas as operações do fundo de investimento, explica, a tributação deve ser realizada pelo próprio fundo e as balizas legais são outras e toda da despesa é dedutível, independente do limite de ganhos com swap.
“Para fins tributários, os fundos têm vida própria, tributação própria, registros fiscais próprios. Para desqualificar sua atuação, antes de tudo, é preciso se debruçar sobre suas operações e seus registros. Nada disso foi feito”, afirma o relator, no voto.
Segundo o advogado Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados Associados, é normal que as empresas façam operações de swap e hedge para se proteger de variações no câmbio, mas o uso de fundo incomodou a Receita Federal. “Como indica o voto do relator, a legislação não veda o uso”, diz.
Para o advogado, a fiscalização criou uma ficção em torno da operação, de que o fundo seria um instrumento de planejamento tributário abusivo visando vantagem indevida de dedução de perda. “O julgamento afastou essa ficção, ficando comprovado que os fatos mostravam o uso correto do fundo.”
A maioria dos conselheiros entendeu que é indevida a desconsideração de operações financeiras por fundo de investimentos em multimercado para atribuir ao cotista exclusivo a titularidade delas quando não for apontada pela administração tributária nenhuma irregularidade que revele prática de ato ilícito.
Em nota, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que a avaliação sobre a regularidade das operações de hedge realizadas pelos contribuintes é tema recorrente no Carf e que existem julgados em que se concluiu que a legislação que regula as operações de hedge não foi atendida. Mas, acrescenta o órgão, as circunstâncias fáticas das operações variam significativamente, e a apresentação de recurso à Câmara Superior se condiciona a precedente que guarde similaridade com a decisão proferida. A possibilidade de recurso no caso concreto está sendo examinada.
Outros dois julgamentos similares envolvendo a Ambev também levaram ao cancelamento das autuações em turmas baixas. Foram realizados em 2017 e 2023 (processos nº 16561.720159/2014-32 e nº 16561.720233/2016-82).
Procurada, a Ambev informou em nota que valoriza a decisão do Carf, que se pautou “nos aspectos técnicos e jurídicos” das discussões sobre o caso, reafirmando que a postura da companhia seguiu a correta interpretação e aplicação da legislação tributária brasileira.
Fonte: VALOR