Em 27 de novembro de 2024, o ministro da Fazenda fez um pronunciamento em rede nacional para anunciar o que denominou “a maior reforma da renda de nossa história”, com aumento da isenção do Imposto de Renda de pessoas físicas para até R$ 5 mil mensais e aumento da carga para os que ganham mais. Tudo, segundo ele, “sem excessos e respeitando padrões internacionais consagrados”. Em entrevistas posteriores, explicou que a proposta fixaria uma alíquota efetiva mínima para os mais ricos e que “a combinação das alíquotas nas pessoas jurídica e física estará no patamar vigente na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”.
A adesão do Brasil ao “pilar dois”, o regime de Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária – Regras GloBE (Global Anti-Base Erosion Rules – GloBE Rules) elaborado pelo Quadro Inclusivo (Inclusive Framework on Base Erosion and Profit Shifting) sob coordenação da OCDE e do G20, se deu pela Medida Provisória (MP) 1.262, de 3 de outubro de 2024, sucedida pela Lei 15.079, de 27 de dezembro de 2024, também objeto da IN/RFB 2.245, de 31 de dezembro de 2024.
De acordo com a norma, a tributação mínima das empresas não será realizada por meio do Imposto de Renda, mas por um adicional da CSLL. Com isso, o governo federal não precisará compartilhar a arrecadação suplementar com Estados e municípios por meio dos fundos de participação constitucionais, nem lhes repassar integralmente o imposto retido nos pagamentos que efetuarem às empresas (STF Tema 1.130, RE 1293453).
À parte da não divisão da nova arrecadação com os entes subnacionais, a implantação do “pilar dois” e da combinação de alíquotas efetiva mínima entre pessoas físicas e jurídica desejada pelo governo federal no PL 1087/2025 enfrentará a espinhosa discussão da tributação de dividendos, que passaram a ser isentos de Imposto de Renda no governo FHC.
Quando a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, fixou a alíquota de 15% para o IR das pessoas jurídicas e isentou do imposto os dividendos por elas distribuídos a partir de 1996, acabou por reordenar a forma de atuação do setor de serviços, que responde por cerca de 70% do PIB brasileiro (2024).
Espinha dorsal da economia brasileira, o setor de serviços tem a força de trabalho de empregados, sócios e titulares da empresa como seu principal custo e pouco se vale dos insumos que gerarão os créditos de IBS e CBS de que trata a Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Com isso, a cobrança da alíquota de referência de IBS/CBS estimada em 27,5% trará forte impacto inflacionário nos preços dos serviços. Se a isso se agregar a tributação de dividendos, se estabelecerá a tempestade perfeita para a economia brasileira.
A ordem executiva assinada por Trump no seu primeiro dia no cargo instruiu o secretário do Tesouro a notificar a OCDE que quaisquer compromissos feitos em nome dos EUA com respeito do Acordo de Imposto Mínimo Global não teriam força ou efeito no país. A decisão tem um claro propósito: tornar os Estados Unidos o mais atrativo lugar para investir, criar e expandir negócios. É o “America First” por excelência.
O Brasil irá na contramão se insistir no aumento da arrecadação federal pela tributação de dividendos proposta na reforma do Imposto de Renda. Isso pode ajudar no fechamento das contas públicas federais depois do aumento da faixa de isenção, com claro interesse eleitoral, mas será muito negativo para a economia. Ainda que sejamos um dos principais destinos de investimento estrangeiro no mundo e o principal da América Latina, a OCDE reporta que o investimento estrangeiro direto do Brasil foi de US$ 64 bilhões em 2023, o que nos coloca muito atrás dos americanos, que atraíram US$ 341 bilhões no mesmo período.
Em um mundo que está se afastando do multilateralismo e ingressando em uma guerra tarifária, cuidar da economia é crucial. Os interesses nacionais transcendem os interesses do governo. É preciso assegurar investimentos nacionais e internacionais para que a economia brasileira cresça e mais e melhores empregos sejam gerados. A melhoria da distribuição de renda dos brasileiros não se dará pelo aumento de impostos, mas pelo aumento da capacidade produtiva do país, que é resultado direto de investimentos nacionais e internacionais. O descontrole dos gastos do governo jamais poderá justificar tributação que acabe por impedir o crescimento econômico. Se não quisermos naufragar nos mares tempestuosos que se avizinham, teremos que ajustar as velas da nau brasileira aos ventos que vêm do Norte.
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/trump-e-a-reforma-da-tributacao-de-renda.ghtml