O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar a validade de centenas de ações rescisórias ajuizadas pela Fazenda Nacional para anular créditos da “tese do século” – a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, reconheceu a repercussão geral do tema e votou a favor da adoção da medida contra os contribuintes.
O entendimento do presidente do STF, proferido na abertura no julgamento virtual (RE 1489562), na sexta-feira, 11, está em linha com a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a mesma controvérsia. Mas mesmo que as ações rescisórias venham a ser providas pelos ministros, a União teria pouco a recuperar.
Mesmo que a União venha a vencer no STF, segundo advogados tributaristas, o ressarcimento dos valores não seria automático ou tão abrangente. Isso porque passado o prazo quinquenal, contado do pedido de compensação, o direito de a União pedir a restituição dos tributos prescreve. Porém, esse prazo pode ser interrompido por solicitação da Fazenda Nacional na rescisória.
E nos pedidos de compensação autorizados nos últimos cinco anos, explicam, há a homologação tácita dos créditos, tornando-a definitiva e também impossível de devolução. Então apenas créditos não usados e mais recentes correm o risco de não serem homologados pela Receita, o que tornará contribuintes que tinham a perspectiva de adimplência em devedores.
Segundo Tércio Chiavassa, sócio do Pinheiro Neto Advogados, há outra variável nesta equação: se a Fazenda conseguiu ou não, nas rescisórias, liminar para impedir as compensações administrativas. “Se não havia tutela para suspender, o contribuinte compensou e pode ter passado o prazo de cinco anos. Tem uma parcela que a União não vai ter como recuperar”, diz.
Também são irrecuperáveis pedidos homologados tacitamente. “Se ela [a Receita] não negou a compensação e o prazo de cinco anos a partir desse encontro de contas já passou, ocorre o que chamamos de homologação tácita, ou seja, a compensação é homologada tacitamente e se torna definitiva, e aí a rescisória não vai servir para nada”, diz.
Esses aspectos devem ser levados em conta pelos desembargadores nos Tribunais Regionais Federais (TRFs) ou nas Cortes Superiores, quando for analisado o pedido de anulação feito pela Fazenda. E o fato de o contribuinte já ter usado os créditos da decisão judicial em compensações pode influenciar, acredita Chiavassa.
Em seu voto, Barroso falou em uma jurisprudência “dominante” do STF sobre a possibilidade de rescisória para adequar à modulação, citando precedentes das duas turmas (RE 1478035 e RE 1480488). E propôs a seguinte tese: “Cabe ação rescisória para adequação de julgado à modulação temporal dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do RE 574.706 (Tema 69)”.
Para o tributarista Bruno Teixeira, sócio do TozziniFreire, o montante de R$ 2 bilhões é o máximo que pode chegar a ser recuperado pela Receita, mas, na prática, deve ser bem menor. “Essas compensações podem ter sido lastreadas com créditos anteriores ou posteriores à modulação”, diz. Nesse total, também existem créditos habilitados tardiamente, mas de períodos válidos, posteriores à 15 de março de 2017, que foi o marco definido pela modulação dos efeitos. Mas ele acredita que deve gerar controvérsia, pois não há precedente sobre o tema.
Se a decisão do STF for desfavorável, ainda há esperança para os contribuintes. Isso porque outra ação do Supremo discute o mesmo dispositivo legal do Código de Processo Civil (CPC). O relator, o ministro Gilmar Mendes, votou para vedar a possibilidade de rescisória. A ação, contudo, trata de outra matéria – um membro da Aeronáutica tenta anular decisão que reverteu sua anistia.
Para Teixeira, o julgamento do STJ não estabeleceu a procedência das rescisórias da União, mas a possibilidade de se entrar com uma ação dessa natureza. “A pretensão da Fazenda Nacional é de rescindir a sentença para manter a modulação dos efeitos pelo STF”, afirma o advogado.
Se ela for validada, seria necessário ajustar a sentença favorável ao contribuinte, limitando os efeitos da decisão. Ela não seria anulada, mas adequada à modulação do STF. “Ela é substituída, então tem que valer dali para frente”, diz.
Teixeira defende que “todas as compensações que o contribuinte fez antes da sentença da ação rescisória devem ser preservadas ou aquelas compensações feitas antes da apresentação da ação rescisória pela Fazenda Nacional”.
Fernando Martins Barreto, do escritório Martins Barreto Advogados, que atua por uma das empresas dos casos no STJ, disse que deve recorrer da decisão. No processo de sua cliente, a companhia entrou com ação em abril de 2018, tendo o crédito autorizado pela Receita em agosto de 2020, permitindo o uso para os cinco anos anteriores (ou seja, até abril de 2013). Em fevereiro de 2021, já havia usado 100% dele.
Porém, quatro meses depois, recebeu a ação rescisória, para só poder usar os créditos de 15 de março de 2017 para frente. Os cinco anos foram reduzidos para 13 meses. “É muito difícil explicar para a contribuinte como a decisão de agora vai afetar o direito dela, amparado por decisão judicial transitada em julgado há mais de quatro anos e exercido há mais de três”, afirma Barreto.
Para ele, há o risco de a decisão do STJ atingir até compensações antigas, anteriores a 2019, se for considerado o prazo de dois anos desde a modulação do Supremo para a União ajuizar a rescisória. “Considerando os prazos mais prováveis de tramitação processual, acredito que uma minoria conseguirá a homologação [dos créditos]”, disse. Um recurso extraordinário ao STF desta ação foi admitido pelo TRF-4, com sede em Porto Alegre, onde se iniciou a tramitação do caso.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor