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Exclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins

Em 4/5/2023, o ministro André Mendonça, nos autos do leading case (RE nº 835.818-PR) do Tema nº 843 do STF [1], determinou a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a exclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins.

Ocorre que, com a promulgação da Lei nº 14.789/2029, inaugurou-se um paradigma que ameaçou a estabilidade jurisprudencial no sentido de que a União não pode afastar pela tributação um incentivo fiscal concedido pelos estados.

Tal tributação, conforme pormenorizado no EREsp 1.517.492-PR [2], levaria à violação dos princípios do federalismo (artigos 1º, III, 3º e 18, CF/88) e da imunidade recíproca (artigo 150, VI, CF/88), bem como da competência dos estados para instituir o ICMS e outorgar isenções, benefícios e incentivos.

Diante da superveniência de uma lei ordinária que contrariou um histórico jurisprudencial favorável à não tributação federal das subvenções de investimentos, muitos contribuintes acertadamente estão impetrando mandado de segurança — via judicial estratégica para afastar honorários  de sucumbência — com pedido liminar para reconhecer a inexigibilidade de incluir os valores derivados de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins [3].

Contudo, o que se observa de modo recorrente na prática forense é que, com base no sobrestamento dos feitos pela decisão de André Mendonça, os juízes federais estão suspendendo os processos que versam sobre o Tema nº 843 do STF sem analisar a liminar requerida.

Diante disso, o presente artigo pretende examinar, à luz do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, CF/88) e de uma análise sistemática dos artigos do CPC/15, bem como da jurisprudência dominante, se a apreciação prévia da liminar antes da suspensão do processo com base no Tema nº 843 é, ou não, direito dos contribuintes.

Apreciação da liminar antes da suspensão do processo como um corolário dos direitos constitucionais da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, CF/88) e do acesso à justiça (artigo 5º, inciso XXXV, CF/88)

Como já ressaltamos, está sendo muito comum a suspensão de processos com base no Tema nº 843 do STF sem a apreciação da liminar pleiteada pelos contribuintes.

Em outras palavras, suspendem os autos sem sequer se decidir se foram preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 300 do CPC/15 [4], quais sejam, a plausibilidade da existência do direito invocado e o perigo de dano.

Tal posicionamento é uma afronta aos princípios constitucionais do acesso à justiça (artigo 5º, inciso XXXV, CF/88), visto que cria um óbice injustificado para a apreciação em cognição sumária de um direito líquido, certo, plausível e com risco de perecer até a decisão final do processo.

E, quando se trata dos temas com repercussão geral reconhecida, nota-se que a existência do requisito do perigo de dano é ainda mais gritante, pois o histórico evidencia que eles levam anos para serem julgados.

Além de ser um indevido bloqueio do acesso à Justiça, consiste em um desrespeito às disposições do Código de Processo Civil de 2015, as quais, em nenhum momento, autorizam a suspensão do processo sem a análise da liminar.

Deferimento de tutela provisória

Isso porque o artigo 296 do CPC/15 [5] demonstra que não há qualquer impedimento para que seja deferida tutela provisória durante a suspensão do processo. Pelo contrário, ao ratificar que a tutela provisória terá a sua eficácia preservada durante o período de suspensão do processo, referido artigo prevê a possibilidade de coexistência entre a medida liminar concedida e o sobrestamento do feito.

Em complemento, o artigo 314 do CPC/15, o qual veda a realização de atos processuais durante a suspensão do processo, prevê uma exceção justamente no sentido de autorizar a concessão de liminar em processos que já estejam sobrestados.

Se o próprio código estabelece que a liminar pode ser apreciada e concedida em um processo já suspenso, não há qualquer justificativa para não analisá-la nos autos que não foram sobrestados. Aliás, como já ressaltado, em muitos casos, a tutela provisória nem sequer é analisada, restringindo-se a decisão apenas a sobrestar o feito.

Assim, a análise sistemática dos artigos 296 e 314 do CPC/15 fomenta o posicionamento de que é um direito do jurisdicionado ter o seu requerimento de tutela provisória apreciado, o que está em consonância com a garantia constitucional do acesso à justiça previsto no artigo 5º, inciso XXXV da CF/88, tal como já decidido pela 1ª Seção do STJ, na ocasião do julgamento da Questão de Ordem no Recurso Especial nº 1.657.156-RJ em 2018, oportunidade na qual o ministro relator Benedito Gonçalves asseverou que:

“A suspensão do processamento dos processos pendentes, determinada no art. 1.037, II, do CPC/2015, não impede que os Juízos concedam, em qualquer fase do processo, tutela provisória de urgência, desde que satisfeitos os requisitos contidos no art. 300 do CPC/2015, e deem cumprimento àquelas que já foram deferidas” [6].

Entendimento em harmonia com o CPC

Tal posicionamento foi, inclusive, recepcionado pela jurisprudência dos tribunais federais em casos tributários, vide o Agravo de Instrumento nº 5024300-13.2023.4.03.0000 [7], ocasião na qual se decidiu que, independentemente do Tema Repetitivo nº 1.079 ter sobrestado os feitos que versarem sobre o limite dos 20 salários-mínimos na base de cálculo das contribuições parafiscais, a liminar requerida deveria ser apreciada.

A propósito, esse entendimento está em harmonia com uma interpretação sistemática e finalística dos artigos 1.037, II e 300 do CPC/15, o qual dispõe que o Tribunal Superior, ao observar multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, determinará o sobrestamento dos processos pendentes com a finalidade de evitar decisões de mérito divergentes que prejudicariam a estabilidade e coerência da jurisprudência.

Ocorre que a tutela provisória consubstanciada no artigo 300 do CPC não está associada com as decisões de mérito que podem ameaçar a coerência da jurisprudência, mas visa a preservar, provisoriamente, direito que pode perecer caso se aguarde o julgamento definitivo.

Sendo assim, a análise sistemática dos dispositivos mencionados evidencia que é direito dos contribuintes terem seus pedidos de concessão de liminar apreciados antes da suspensão do processo com base no artigo 1.037, inciso II, do CPC/15.

Superado esse ponto, será demonstrado, no próximo tópico, que a jurisprudência dominante demonstra exaustivamente o preenchimento do requisito da probabilidade do direito em relação à questão da exclusão do crédito presumido de ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Do amplo preenchimento dos requisitos para concessão da liminar

A sumariedade da cognição é uma característica intrínseca às tutelas provisórias. Nesse sentido, para o preenchimento da probabilidade do direito, basta um juízo hipotético que reconheça a probabilidade da pertinência da pretensão veiculada [8].

Dessa forma, não se exige um juízo satisfativo de certeza do direito, mas um baseado em fatos que evidenciem a verossimilhança das alegações do jurisdicionado [9].

Assim, no que tange à exclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, observa-se que a probabilidade do direito e a verossimilhança das alegações provadas estão amplamente preenchidas.

Isso porque, no âmbito do STF, no bojo do julgamento do Tema 843 da Repercussão Geral, já formou maioria para firmar a tese de que “surge incompatível, com a Constituição Federal, a inclusão, na base de cálculo da Cofins e da contribuição ao PIS, de créditos presumidos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS”, sendo que o julgamento não foi concluído devido a um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes. Ademais, a probabilidade do direito também está presente em recentes julgados do STJ [10], do TRF-1 [11] e do TRF-3 [12].

Dessa forma, nota-se que é manifesta a probabilidade do direito dos contribuintes.

Ineficácia da sentença

Já o perigo o perigo de ineficácia da sentença, apesar de ser muito casuístico, nota-se que há algumas especificidades quando se trata de mandado de segurança que versa sobre matéria tributária.

Isso porque, como bem analisa Hugo de Brito Machado, “é um grave equívoco confundir a ineficácia da sentença que defere o mandado de segurança, com a irreparabilidade do dano decorrente do ato impugnado”, visto que, para o respeitado doutrinador, “se um contribuinte impetra mandado de segurança contra cobrança ilegal de um tributo, o perigo da demora caracteriza-se pela simples possibilidade de constrangimento do impetrange com a ação fiscal, sabido que se efetuado o pagamento do tributo a restituição do valor pago é bastante problemática e demorada” [13].

Sendo assim, diante de uma demanda com uma probabilidade do direito extremamente manifesta, como é o caso do crédito presumido na base de cálculo do PIS e da Cofins, a não concessão da liminar faz com que o contribuinte tenha que se submeter a árdua, complexa e cara via da compensação/restituição do tributo, fato esse que já foi considerado diversas vezes pelos precedentes no sentido de autorizar a concessão da liminar:

“Assim sendo, nesta análise perfunctória, está presente o fumus boni iuris, com relação aos créditos presumidos de ICMS. Em outra linha de enfoque, tem-se por presente o perigo da demora, pois a não concessão, por agora, da tutela poderá tornar dificultar a efetividade da medida se esta somente for deferida, ao final, quando da prolação de sentença, uma vez que a devolução do que recolhido dar-se-á pela custosa via da repetição.” (TRF-1, MS nº 1012723-05.2024.4.01.3500, Data do Julgamento: 08/05/2024).

Prejuízos com tributação incorreta

Além dos gastos para conseguir pagar o tributo da forma correta, a exigência indevida de uma tributação por anos promove inúmeros prejuízos para as empresas e para a sociedade, tais como encarecimento dos produtos, instabilidades no balanço patrimonial, entre outros, sendo esse também um requisito recepcionado pela jurisprudência para reconhecer o periculum in mora:

“[…] 8. Neste juízo perfunctório, de natureza liminar, se faz presente a verossimilhança das alegações do contribuinte. O mesmo se diga com relação ao periculum in mora haja vista que a exigibilidade do crédito tributário em discussão poderá acarretar danos à consecução da atividade empresarial.” […] (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 5006017- 49.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 07/09/2017, e – DJF3 Judicial 1 DATA: 14/09/2017).

Ademais, não podemos desconsiderar que as autoridades públicas normalmente criam mecanismos para impedir a devolução e a utilização dos créditos decorrentes da cobrança indevida de tributos.

Sendo assim, apesar do requisito do periculum in mora depender das especificidades do caso concreto, pertinente observar que essas externalidades negativas apresentadas normalmente estão presentes nos pedidos liminares que versam sobre matéria tributária.

Conclusão

Ante o exposto, uma análise sistemática dos artigos do CPC/15 com a CF/88 demonstrou que é um direito do jurisdicionado ter a sua liminar apreciada antes da suspensão do processo ou na sua pendência. Do contrário, o princípio constitucional do acesso à justiça seria violado.

E no que tange às pretensões que envolvem a tese a ser analisada no Tema nº 843 do STF, foi evidenciado que a jurisprudência do STF, STJ e TRF fundamentam o preenchimento do requisito da probabilidade do direito.

Em relação ao perigo de dano, foi alertado que, apesar da sua íntima relação ao caso concreto, há inúmeras externalidades negativas que normalmente estão presentes nas ações tributárias e que satisfazem a condição do periculum in mora.

Assim, quando se tratar de pedidos liminares que envolvam a exclusão do crédito presumido da base de cálculo do PIS e da Cofins, não apenas a sua apreciação é de rigor, como também a sua concessão.

Fonte: CONJUR

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