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STF julga cobrança de ISS sobre operações de industrialização por encomenda

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou ontem a análise de uma discussão importante para os municípios: se incide ISS sobre operações de industrialização por encomenda, quando ocorrerem como etapa intermediária da cadeia produtiva da mercadoria. O julgamento do que as prefeituras tratam como a sua “tese do século” foi suspenso, por um pedido de vista, mas já há uma maioria favorável aos contribuintes — para a incidência de ICMS.

A discussão começou no Plenário Virtual, em 2023, onde seis ministros já tinham votado para afastar a cobrança do tributo municipal “quando o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização”. Eles também já concordavam que é preciso limitar em 20% as multas moratórias nos processos fiscais. O caso está em repercussão geral, portanto, vincula todo o Judiciário.

No Plenário Virtual, a discussão foi suspensa por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Na sessão de ontem, Moraes abriu divergência favorável aos municípios, para permitir a incidência do tributo. Na visão dele, a parte no caso, a ArcelorMittal, contratou um serviço específico, que não faz parte do processo da industrialização do aço. “Não está se criando produtos novos. As chapas de aço foram requalificadas segundo especificações dos tomadores de serviço. Não configura um novo produto”, disse ele, na sessão.

Também votou ontem o ministro Cristiano Zanin, que acompanhou o relator, o ministro Dias Toffoli. O placa está em 7 a 1 em favor dos contribuintes. Toffoli manteve o voto para cancelar a execução fiscal movida pelo município de Contagem, de Minas Gerais, contra a ArcelorMittal, maior produtora de aço do Brasil (RE 882461 ou Tema 816).

O caso discute se incide o ISS ou ICMS e o IPI nessas operações. Essa é considerada a “tese do século” para os municípios, segundo o procurador do Rio de Janeiro Ricardo Almeida, que representa a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) no caso. Para as companhias, pode valer mais a pena a incidência do ICMS, mesmo com alíquota maior, pois existe a possibilidade de acúmulo de crédito na cadeia produtiva e uso de benefícios fiscais.

O caso em análise chegou ao STF em 2015, por meio de um recurso da ArcelorMittal contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) que manteve sentença e permitiu tributar pelo ISS a atividade de “corte longitudinal e transversal de bobinas de aço”, prevista na Lei Complementar (LC) nº 116/2003, que regulamentou o tributo.

Toffoli, porém votou pela reforma do acórdão. Para ele, “se o bem retorna à circulação ou a nova industrialização após a industrialização por encomenda, tal processo industrial representa apenas uma fase do ciclo econômico da encomendante, não estando, portanto, a industrialização por encomenda sujeita ao ISS”.

Ele entendeu que a LC nº 116/2003 “deformou o critério material do ISS e invadiu, no ponto, competência tributária da União, provocando, ademais, efeito cumulativo relevante em imposto sobre a produção”. Relembrou, em seu voto, a jurisprudência do Supremo, especialmente um julgamento de 2011 que já havia afastado a incidência do ISS sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens (ADI 4389).

No Plenário Virtual, tinham seguido o entendimento do relator os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Acompanharam com ressalvas os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, que divergiram apenas da proposta de modulação (restrição dos efeitos).

Nos autos, a ArcelorMittal defende que os cortes das bobinas fazem parte do “ciclo industrial siderúrgico”, sendo uma “etapa intermediária da cadeia de circulação, entre a produção do aço bruto e sua destinação à venda”.

A companhia, que teve lucro líquido de US$ 928 milhões no primeiro trimestre de 2024, diz que a multa de R$ 13,1 mil aplicada por não pagar o ISS “viola a proporcionalidade, a razoabilidade e a vedação do confisco” e teria “caráter arrecadatório”.

Já o município de Contagem defende nos autos que a autuação tem amparo tanto na lei complementar quanto na Lei Municipal nº 1.611/1983. Para a prefeitura, o requisito para a incidência é que as atividades sejam exercidas em bens de terceiros.

Há ainda a discussão, que estava no Plenário Virtual mas não foi trazida na sessão de ontem, sobre a modulação dos efeitos. Toffoli propôs a restrição pelas inúmeras atividades que foram “indevidamente” tributadas pelo ISS por 18 anos. Para ele, não modular a tese faria com que muitos contribuintes pleiteassem, nos mais de 5.500 municípios do Brasil, a repetição de indébito tributário, “o que poderá não só afetar as finanças municipais, mas também provocar o ajuizamento de diversas ações judiciais”.

Ele vedou, portanto, a restituição do ISS para quem já recolheu o imposto e vedou a cobrança do IPI e do ICMS sobre os mesmos fatos geradores. Ficariam ressalvadas, porém, as ações judiciais em curso e as hipóteses de comprovada bitributação — neste caso, o contribuinte teria direito à restituição do ISS e não do IPI/ICMS. Para aqueles que não recolheram ISS e ICMS/IPI, incidiria IPI ou ICMS sobre os fatos geradores ocorridos até a véspera da publicação da ata de julgamento.

Fux, que acompanhou a tese principal, apenas discordou desse ponto. Para ele, não é possível excluir a incidência do IPI, porque isso não foi questionado pelo contribuinte.

Para o advogado Tiago Conde, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, que representa a ArcelorMittal no caso, é o ICMS que deve incidir sobre a operação. “É uma mercadoria que estou mandando para o Estado. Se fosse serviço, ela viria pronta e acabada, mas não é o caso. O produto volta para a empresa para ser aprimorada”, diz. De acordo co ele, não haveria grandes impactos para os cofres públicos, por conta da modulação proposta. “Toffoli protege o município.”

Nina Pencak, sócia do Mannrich e Vasconcelos Advogados e representante da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) no caso, diz o que o interesse da entidade no processo é a discussão sobre a limitação das multas. Na visão dela, deve ser respeitado o princípio constitucional da dosimetria para as multas fiscais. “As multas são fixas, não têm como base a conduta do contribuinte”, afirma. “O teto de 20% é o entendimento majoritário do Supremo e eles reafirmam o Tema 214”, adiciona a tributarista.

Já Ricardo Almeida entende que a tese não está perdida. Na sessão, ele pediu o reinício do julgamento, mas isso não foi acatado pelos ministros. Segundo ele, se for permitida a não incidência do ISS, haverá dificuldade de fiscalizar a destinação do produto, se para o consumidor final ou para um intermediário, o que é um “cheque em branco para a sonegação fiscal”.

“Esse critério da destinação na cadeia produtiva é impraticável de ser fiscalizado”, afirma o procurador, citando que metade da produção da ArcelorMittal é para exportação, o que dificultaria ainda mais esse controle. Ele também entende que declarar a inconstitucionalidade do item da lei complementar pode ter um efeito em cascata para outros contribuintes pediram a não incidência do ISS para outros produtos.

Fonte: VALOR

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