Quatro das principais redes de varejo têm, juntas, R$ 2,4 bilhões de ICMS-ST a recuperar nos próximos anos, segundo apurou o Valor a partir dos últimos balanços contábeis, publicados em junho. Esse crédito estará agora mais ao alcance desses contribuintes com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na semana passada, que facilitou pedidos de restituição ou compensação de valores do imposto estadual pagos a maior no regime de substituição tributária para frente, quando a base de cálculo da operação for inferior à presumida.
O Carrefour tem o maior valor: R$ 1,3 bilhão, a ser compensado nos próximos 10 anos, de acordo com a empresa. Também do setor de alimentos, o Assaí contabiliza R$ 953 milhões em estoque, a serem usados nos próximos cinco anos. Já a Petz pretende utilizar R$ 116 milhões em créditos até 2025. E a Raia Drogasil tem R$ 41,5 milhões a restituir. Porém, não detalhou o prazo.
Outras empresas, como a Casas Bahia, Pague Menos, Magazine Luiza e Grupo Pão de Açúcar (GPA), também têm cifras bilionárias de ICMS a serem recuperadas, mas não especificam quanto do montante se refere à sistemática de substituição tributária. Juntas, elas têm R$ 5,7 bilhões de ICMS a receber dos Estados.
A decisão unânime da 1ª Seção do STJ, da quarta-feira passada, facilitou muito a recuperação do ICMS, segundo advogados. Os ministros afastaram a aplicação do artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN), que determina o cumprimento de requisitos para a devolução. O dispositivo exige que a empresa prove ter assumido o encargo financeiro, ou, se transferiu a terceiro – no caso, o consumidor final -, que haja autorização expressa dele para a restituição (Tema 1191).
Na prática, o artigo tornava inviável o recebimento do tributo pago a maior. “A partir do momento que esse dispositivo é afastado pelo STJ, em sede de recurso repetitivo, isso acaba facilitando a produção dessa prova para fins de repetição de indébito”, diz o tributarista Renato Silveira, sócio do Machado Associados, que tem cerca de uma dezena de casos no escritório sobre o tema. Antes, havia um “esforço probatório” muito grande, acrescenta. “Acabava incentivando o aumento do contencioso sobre a matéria.”
O GPA foi um dos grupos de varejo que teve dificuldade no ressarcimento. No último balanço, afirma ter sido autuado pelo Estado de São Paulo, pelo não cumprimento de obrigações acessórias na restituição. A empresa recorreu judicialmente e os processos somavam provisão de R$ 354 milhões. O montante foi reduzido para R$ 17 milhões após adesão ao Acordo Paulista, edital de transação tributária da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). A empresa tem R$ 411 milhões de ICMS a serem compensados nos próximos cinco anos, sendo quase metade – R$ 206 milhões – em um ano.
Segundo Silveira, a restituição do valor pago a maior pelo ICMS-ST é assegurado pelo artigo 10 da Lei Complementar nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir. Os Estados, contudo, “buscavam uma interpretação desse dispositivo em conjunto com o artigo 166 do CTN”. “Muitas vezes, o contribuinte, diante da dificuldade de produzir essa prova, acaba não apresentando toda a documentação que a Fazenda entende ser suficiente para reconhecer aquele crédito e, a partir daí, surge a discussão”, afirma.
O objetivo da substituição tributária é concentrar o recolhimento do tributo em uma só etapa da cadeia. Os Estados presumem uma base de cálculo e cobram o imposto dos primeiros contribuintes – importadores e a indústria. A estimativa, porém, nem sempre coincide com o valor real do produto vendido ao consumidor final. “Tem situações em que o varejista adquire o produto com uma base de cálculo presumida, mas acaba dando a saída por um valor menor, vendendo abaixo do preço que comprou”, diz Silveira.
André Menon, sócio tributarista do Machado Meyer, afirma que a decisão do STJ é importante para evitar que o Estado termine por receber o ICMS duas vezes. Além disso, “viabiliza o que antes não era viável”. “Para o varejo, a comprovação é uma problemática imensa, porque são milhares de operações mensais pulverizadas”, diz. “Além de toda a questão burocrática, tornava inviável a sistemática”, completa.
Em nota, a Pague Menos afirma que “julga positiva a recente decisão do STJ”, pois “deve destravar significativamente a monetização do saldo” de ICMS-ST. No último balanço, indicou ter R$ 768,2 milhões a receber de ICMS e de ICMS-ST. Ao Valor, diz que os créditos “referem-se principalmente ao ICMS-ST”. A empresa vinha fazendo a compensação dos valores administrativamente “após cumprimento dos requisitos definidos por cada Estado”. Ela ainda tem R$ 522 mil provisionados por discussões sobre o tributo no Ceará.
O Carrefour, por sua vez, afirma que o direito de restituir decorre da manutenção de centros de distribuição que recebem mercadorias com ICMS-ST pré-pagos pelos fornecedores ou pelo grupo. Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2016 (RE 593849), que reconheceu o direito de ressarcimento do valor de ICMS-ST pago a maior, diz que “os créditos fiscais a recuperar ou compensar pelo grupo aumentaram”. E que cumpria os “procedimentos requeridos pelos Estados”.
Antes da decisão do STJ, ela obteve uma decisão favorável na qual foi reconhecida o direito de restituir o ICMS-ST e também a correção monetária, “cujo valor principal foi reconhecido em períodos anteriores”. Ela estima que isso possa acrescer em R$ 367 milhões no total de créditos da controladora e R$ 533 milhões no consolidado.
O Assaí menciona, no balanço, que os Estados “têm modificado substancialmente suas legislações internas”, ampliando a sistemática do ICMS-ST “para uma gama cada vez maior de produtos comercializados no varejo”. Deve recuperar quase metade dos créditos – R$ 455 milhões – em um ano.
O Magalu, com R$ 2,4 bilhões a receber de ICMS e ICMS-ST, diz que já cumpria o artigo 166 do CTN, portanto, os créditos não seriam afetados pelo julgamento do STJ. Também informou que faz a compensação mensalmente e estima usar o estoque entre 18 e 36 meses.
A Casas Bahia, que tem R$ 2,165 bilhões em crédito pelas duas sistemáticas, afirma que o ressarcimento é feito “mediante a apresentação dos documentos fiscais e arquivos digitais relativos as operações realizadas que geraram para a companhia o direito ao ressarcimento”. A empresa também vendeu R$ 890 milhões de créditos de ICMS, que serão transferidos até o fim do ano.
Procuradas pelo Valor, a Raia Drogasil e a Petz não quiseram comentar o assunto. Assaí e GPA disseram acompanhar o tema via entidade setorial. Carrefour e Casas Bahia não deram retorno até o fechamento da edição.
Fonte: VALOR