A Receita Federal reduziu as vantagens esperadas pelos contribuintes para o pagamento de autuações fiscais após condenação por voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Em instrução normativa publicada ontem, estabeleceu que algumas multas não serão extintas, impondo restrições que, segundo advogados tributaristas, não estariam previstas na chamada Lei do Carf (nº 14.689, de 2023).
A Instrução Normativa nº 2.205 foi publicada dois dias depois de o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, indicar uma redução na expectativa dos valores que poderão ser recuperados com o voto de qualidade — desempate por representante do Fisco. A nova projeção de arrecadação, até o fim do ano, é de R$ 37,7 bilhões, ante os R$ 55,6 bilhões inicialmente previstos.
Mesmo com a redução, integrantes do Ministério da Fazenda avaliam que, dificilmente, esse montante será alcançado neste ano. Já há uma percepção na pasta de que, ainda que haja regras mais favoráveis, os contribuintes têm optado por recorrer das condenações ao Poder Judiciário. Isso é confirmado por advogados tributaristas que defendem grandes casos no Carf.
O secretário havia indicado que essa frustração com receitas ocorreu devido ao prazo que os contribuintes têm para pagamento depois da condenação no Carf. Para acelerar o processo, a Receita quer comunicar o contribuinte logo após a condenação, o que poderia reduzir o prazo de pagamento para cerca de 30 dias após a publicação do acórdão, o que leva cerca de 60 dias. Ainda assim, a IN mantém o prazo de 90 dias.
Na avaliação de Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional, a arrecadação com o Carf é central para saber se a União ficará no centro da meta de déficit zero ou no limite inferior da banda, que permite um rombo de R$ 28,8 bilhões. “Considerando que não houve adesões no primeiro semestre, o parcelamento em 12 meses e o endurecimento das regras pela nova IN, é possível pensar em uma receita, em 2024, abaixo de R$ 8 bilhões, enquanto o último relatório bimestral apresentou quase R$ 38 bilhões.”
Não só a meta de primário está em jogo, diz ele, mas o volume de despesa que pode ter sido contratada a longo prazo com base nessa estimativa de receita. “Pelo chamado princípio da prudência que se aplica às contas públicas, que diz que devem ser escolhidas as projeções válidas mais conservadoras, tanto para a receita como para a despesa, seria importante que se esclarecesse, ao menos, como a cronologia da adesão e parcelamento foi incorporada à estimativa oficial de arrecadação.”
A IN publicada agora traz duas restrições que vão além da Lei do Carf, segundo Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos. A norma, afirma, traz impedimentos à exclusão das multas moratórias, aduaneiras e isoladas, apesar de o Decreto nº 70.235, de 1972, prever o cancelamento de multas sem diferenciar o tipo de penalidade.
Vasconcelos lembra que, durante a tramitação do PL do Carf, chegou a ser sugerida a exclusão só das multas incidentes sobre o valor do principal, mas essa restrição não prevaleceu. Por isso, o advogado considera que a IN, assim como parecer anterior publicado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), impõe restrições sem correspondência na lei. A outra restrição é aos processos envolvendo compensação, de acordo com o advogado.
A restrição que consta na IN torna menos atrativa a adesão ao pagamento do crédito tributário nas condições diferenciadas após o voto de qualidade, diz Vasconcelos. O advogado completa que o entendimento manifestado pela Receita ainda abre a possibilidade de mais contencioso. “Quando a IN, sob o pretexto de regulamentar, inova para restringir, está desrespeitando a decisão política do Congresso fruto das deliberações parlamentares e sintetizada no texto da lei”, afirma.
Apesar disso, diz Vasconcelos, há um ponto positivo na nova norma, que trata da questão temporal. A Receita considerava que os julgamentos anteriores à MP 1.160 e à Lei nº 14.689 que tivessem recursos pendentes na esfera administrativa não estariam abrangidos pelas novas regras — exclusão de multas e condições especiais de pagamento. Agora, na IN, acrescenta, o órgão esclarece que as regras se aplicam.
“Frustraram [as novas regras] um pouco a expectativa dos contribuintes”, afirma o advogado Caio Quintella, ex-conselheiro do Carf e sócio da Nader Quintella Advogados. A lei estabelece, segundo ele, que “as multas” serão canceladas no empate. Contribuintes consideravam, com a leitura da norma, que poderiam afastar multas aduaneiras, isoladas e de mora. Dessas, a Receita esclarece que só é possível afastar a isolada se houver decisão específica por voto de qualidade em relação à sua manutenção.
“Novamente se está diante da discordância do Executivo sobre norma editada pelo Legislativo, e com a pretensão de regular, distorce e restringe o alcance da decisão do legislador. O resultado é mais contencioso tributário”, diz Quintella.
Segundo Rafael Gregorin, sócio do escritório Trench Rossi Watanabe, são polêmicas, para os contribuintes, as previsões de não exclusão das multas isoladas e de não exclusão das multas referentes aos processos em que a decisão proferida pelo Carf se tornou definitiva antes de 12 de janeiro de 2023.
“As autoridades colocaram diversas travas em uma regra que era tanto para beneficiar os contribuintes que perderam por empate, ou seja, em que houve dúvida, quanto para diminuir o contencioso”, diz.