O STF diverge quanto à incidência de IR no adiantamento de legítima. A Segunda Turma da Corte, analisou um caso em que uma mulher recebeu, como herança bens, alguns avaliados a valor de mercado pagando ITCMD.
Posteriormente, essa mulher doou parte de seus bens para uma de suas filhas, como adiantamento de legítima, sendo os bens avaliados a valor de mercado. Sobre a doação igualmente incidiu o ITCMD.
O ITCMD, nessas duas ocasiões, abarcou a diferença entre o valor de mercado e o valor registrado nas declarações do de cujus ou da doadora.
Ocorre que a Receita Federal entende que o imposto de renda também é devido nessa operação com base na Lei nº 9.532, de 10 de dezembro1997, artigo 23, § 1º que tem o seguinte teor:
“Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.
- 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento.”
Contudo, há uma discussão, segundo a qual, tendo em vista que o ITCMD incide sobre a operação, não poderia o imposto de renda incidir sobre essa mesma realidade, sob pena de ferir a distribuição de competências realizada pela Constituição Federal, a pessoalidade e a capacidade contributiva e provocar vedada bitributação.
Além disso, o ITCMD, abarca a diferença entre o valor de mercado e o valor registrado nas declarações do de cujus ou do doador. Não poderia, assim, o imposto de renda também incidir sobre essa mesma realidade, sob pena de ferir a distribuição de competências realizada pela Constituição Federal, a pessoalidade e a capacidade contributiva e provocar vedada bitributação.
A Primeira Turma do STF, quando do julgamento do ARE nº 1.387.761/ESAgR, já decidiu nessa direção, reconhecendo a inconstitucionalidade da incidência do imposto sobre a renda sobre o ganho de capital referente à doação em adiantamento de legítima (Lei nº 7.713/1988, art. 3º, § 3º; e Lei nº 9.532/1997, art. 23, § 1º e § 2º, inciso II).
Na ocasião, o Relator, Ministro Roberto Barroso, realçou que, segundo a orientação da Suprema Corte, o imposto de renda incide sobre o acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente. Eis a ementa do julgado:
“Ementa: Direito tributário. Agravo interno em recurso extraordinário com agravo. Imposto sobre a renda. Ganho de capital. Antecipação de legítima. Ausência de acréscimo patrimonial. Vedação à bitributação. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso extraordinário com agravo interposto em face de acórdão que afastara a incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital apurado por ocasião da antecipação de legítima (Lei n° 7.713/1988, art. 3º, § 3º; e Lei nº 9.532/1997, art. 23, § 1º e § 2º, II). 2. Esta Corte possui entendimento de que o imposto sobre a renda incide sobre o acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente (RE 172.058, Rel. Min. Marco Aurélio). Na antecipação de legítima, não há, pelo doador, acréscimo patrimonial disponível. Acórdão alinhado à jurisprudência desta Corte. 3. O constituinte repartiu o poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminam as materialidades tributárias. Esse modelo visa a impedir que uma mesma materialidade venha a concentrar mais de uma incidência de impostos de um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou de entes diversos (vedação à bitributação). Princípio da capacidade contributiva. 4. Admitir a incidência do imposto sobre a renda acabaria por acarretar indevida bitributação em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD). 5. Agravo interno a que se nega provimento. (ARE 1387761 AgR, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento: 22/02/2023, Publicação: 01/03/2023).
No entanto, mais recentemente, a Segunda Turma do STF, em acórdão relatado pelo Ministro Gilmar Mendes decidiu que não haveria bitributação na hipótese.
O ministro Gilmar destacou:
“o § 1º do art. 23 da Lei 9.532/1997 apenas explicitou o momento de apuração do acréscimo patrimonial, não se tratando de inovação acerca do fato gerador do imposto de renda. Nesses termos, entendo que não se trata de tributação da herança ou doação, mas de definição do momento da tributação do ganho de capital recebido. Inicialmente, registro que o § 1º do art. 23 da Lei 9.532/1997 apenas explicitou o momento de apuração do acréscimo patrimonial, não se tratando de inovação acerca do fato gerador do imposto de renda. Nesses termos, entendo que não se trata de tributação da herança ou doação, mas de definição do momento da tributação do ganho de capital recebido. Com efeito, esta Corte assentou não haver vício de inconstitucionalidade quando a legislação ordinária “encerra explicitação do fato gerador, alusivo ao imposto de renda, fixado no art. 43 do CTNf (RE 200.972, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 21.2.1997)”
Eis a ementa do julgado:
“Direito Tributário. 2. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário Com Agravo. 3. Imposto Sobre a Renda. Ganho de Capital. Existência de Acréscimo Patrimonial. Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. 4. Alegação de bitributação. Não ocorrência. 5. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (RE 1425609 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 20-05-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 24-05-2024 PUBLIC 27-05-2024).
Agora foi apresentado embargos de divergência pelo contribuinte, para que os 11 ministros se manifestem sobre a questão para uniformizá-la.