A tributação sobre herança no Brasil teve início com a chegada dos portugueses e sua primeira previsão legal data de 1867, regulando o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). A construção do País gerou diversas desigualdades, que se propagam até os dias atuais, principalmente em relação à distribuição de riquezas e à concentração de terras, resultando em alguns grupos mais privilegiados que outros. Portanto, é essencial que a justiça fiscal seja eficaz e produza efeitos contra as desigualdades.
A tributação de heranças e doações está prevista na Constituição (artigo 155, I e §1º), que estende a possibilidade de tributação para qualquer bem ou direito que possua valor econômico e é da competência dos estados e do Distrito Federal.
A alíquota máxima, que pode ser atualmente estabelecida pelos estados e Distrito Federal, foi fixada pelo Senado por meio da Resolução nº 02/92, conforme determinado pela Constituição, em 8%.
Inicialmente, a emenda constitucional relativa à reforma tributária trataria apenas da tributação sobre o consumo. No entanto, fomos surpreendidos com relevantes alterações no ITCMD.
No final de 2023, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023 pelo Congresso Nacional, ficou expressa a previsão da progressividade das alíquotas do ITCMD em razão do quinhão, do legado ou da doação (nova redação atribuída ao artigo 155, §1º, VI da Constituição).
A progressividade exige a fixação de alíquotas diferenciadas a serem aplicadas levando-se em conta o valor da base de cálculo.
No ITCMD, a progressividade de alíquotas já era facultativa para os estados e o Distrito Federal, conforme o artigo 2º da citada Resolução do Senado nº 09/1992, e sua constitucionalidade foi atestada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 21 [1].
Entretanto, com a inclusão no texto constitucional do regime progressivo de tributação pelo ITCMD, torna-se obrigatório aos estados e ao Distrito Federal adequarem a legislação estadual para instituírem a cobrança progressiva.
Progressão de alíquotas
A instituição da progressividade de alíquotas é medida especialmente relevante, em um contexto em que as disparidades econômicas e sociais são persistentes, tornando mais efetiva a justiça fiscal, em razão da observância do princípio constitucional tributário da capacidade contributiva.
Assim, estados como São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e outros que ainda estabelecem alíquotas fixas para o ITCMD devem adequar suas leis, de forma a implantar o regime da progressividade, conforme exigência constitucional.
A reforma não se limita à progressividade do ITCMD, mas também altera a competência, na hipótese da transmissão “mortis causa” de bens móveis, títulos e créditos, para o estado onde era domiciliado o “de cujus”, no lugar do estado onde se processar o inventário ou arrolamento (nova redação atribuída ao artigo 155, §1º, II da Constituição), não sendo mais facultado ao sucessor escolher o estado onde processar o inventário e consequentemente o estado competente para a cobrança do imposto.
Outra novidade trazida é a imunidade sobre as transmissões e as doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos, e por elas realizadas na consecução dos seus objetivos sociais, observadas as condições estabelecidas em lei complementar (nova redação atribuída ao artigo 155, §1º, VII da Constituição).
A regulamentação dessa imunidade constitucional encontra-se prevista no artigo 161 do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024.
A Emenda Constitucional n] 32/2023, em seu artigo 16, também trouxe a permissão e estabeleceu a competência provisória dos estados para cobrar o ITCMD nas transmissões de bens, nas hipóteses em que os bens, o “de cujus” ou o doador encontram-se no exterior, antes da edição da lei complementar prevista no artigo 155, § 1º, III, da Constituição, nos seguintes termos:
“Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá:
I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;
II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:
a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;
b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;
III – relativamente aos bens dode cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal.”
Entretanto, os estados e o Distrito Federal ainda precisarão editar suas leis ordinárias, instituindo a cobrança do ITCMD nas hipóteses acima elencadas, tendo em vista que o STF declarou a inconstitucionalidade das leis estaduais que instituíram a cobrança antes da edição da lei complementar constitucionalmente prevista:
“É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.”[2]
Mesmo com a reforma do sistema tributário nacional no que se refere ao ITCMD, ao comparar com outros países, ainda temos uma das menores tributações sobre a transferência de bens. Aqui, a alíquota máxima é de 8%, enquanto em alguns países a taxação pode chegar até 80% do valor dos bens transferidos, como é o caso da Bélgica [3], que possui a tributação mais alta do mundo. Sendo o imposto sobre herança dividido em dois tipos: o imposto de sucessão e o imposto de transferência. Mas já há projeto no Senado para alteração da alíquota máxima do ITCMD de 8% para 16%, o Projeto de Resolução nº 57/2019.
Ainda que merecesse uma discussão mais aprofundada em alguns pontos, a reforma tributária trouxe avanços significativos em relação ao ITCMD. Ao implementar a progressividade na tributação do ITCMD e ao ajustar competências estaduais, o sistema se torna mais equitativo e alinhado com a realidade econômica e social do País. É fundamental que os estados adaptem suas legislações para cumprir as novas diretrizes, garantindo que a tributação sobre heranças e doações contribua efetivamente para a redução das desigualdades e promova o bem-estar social.
[1] RE nº 562045/RS – Relator Min. Ricardo LEWANDOWSKI – Tese: É constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação — ITCD. – Publicação: 27/11/2013
[2] Tema 825 – RE 851108
[3] aqui