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A posição do Carf sobre a tributação de árbitros

Recente decisão da 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) determinou que advogados devem ser tributados como pessoa física ao exercerem a função de árbitro. O entendimento consolida um tema que tem suscitado debates acalorados no meio jurídico nos últimos anos.

Por cinco votos a três, o colegiado concluiu que a atividade de arbitragem não pode ser considerada uma atividade da sociedade de advocacia, mas sim do indivíduo. No entanto, uma análise detalhada da legislação e das práticas profissionais tal como ocorrem na vida real, sugere que essa interpretação pode ser demasiadamente restritiva e prejudicial tanto para os advogados quanto para as empresas ou as próprias câmaras de arbitragem que efetuam o pagamento de honorários arbitrais, em vista da necessidade de retenção de Imposto de Renda na fonte sempre que há pagamento de pessoa jurídica para pessoa física.

O Carf baseou-se na Lei nº 9.307/1996, Lei da Arbitragem, argumentando que o serviço de arbitragem é prestado por pessoa física em seu próprio nome, e não pela sociedade de advocacia. Contudo, essa interpretação ignora a evolução das práticas profissionais e as complexidades das atividades jurídicas modernas. A arbitragem, embora seja uma função de caráter personalíssimo, é frequentemente realizada por advogados que integram sociedades de advocacia e utilizam toda a estrutura dessas sociedades para prestar um serviço de alta qualidade.

A Lei nº 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, em seu artigo 129, permite que prestadores de serviços de caráter personalíssimo sejam tributados como pessoa jurídica. Isso se aplica perfeitamente à função de árbitro desempenhada por advogados, que muitas vezes requer o suporte de uma equipe, infraestrutura administrativa, e recursos tecnológicos disponíveis apenas em um ambiente corporativo. Portanto, limitar a tributação à pessoa física desconsidera o papel essencial que a sociedade de advocacia desempenha no apoio ao advogado-árbitro.

Outro ponto crítico ignorado pela decisão do Carf é o Provimento nº 196/20 da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que estabelece que a atuação de advogados como conciliadores, mediadores, árbitros ou pareceristas não desconfigura a atividade advocatícia e que a remuneração pode ser recebida pelas sociedades das quais sejam sócios. Esse provimento é uma clara indicação de que a OAB reconhece a importância da estrutura societária na prestação de serviços de arbitragem e permite que os honorários sejam recebidos tanto pela pessoa física quanto pela jurídica.

A segurança jurídica é um princípio fundamental de nosso sistema. Norberto Bobbio, em sua “Teoria da Norma Jurídica’, destaca que a institucionalização e a produção de regras de conduta andam juntas, sendo essencial para a existência de qualquer sociedade. Ele argumenta que “o processo de institucionalização e a produção de regras de conduta não podem andar separados e que, portanto, onde quer que haja uma sociedade organizada, estaremos seguros de também encontrar um complexo de regras de conduta que deram vida àquela sociedade”, ressaltando a função primordial da previsibilidade, hoje tão desprestigiada em nosso país.

Tributar os advogados exclusivamente como pessoa física ao exercerem a função de árbitro não condiz com um ambiente de previsibilidade e estabilidade, permitindo a lavratura de autos de infração contra advogados e câmaras de arbitragem que agiram rigorosamente de acordo com o sistema normativo vigente.

Além disso, segundo as regras de hermenêutica, em caso de conflito entre o artigo 129 da Lei do Bem e a Lei de Arbitragem, deve prevalecer a norma tributária em razão do princípio da especialidade. O princípio da especialidade estabelece que, quando há conflito entre uma norma geral e uma norma específica, a norma específica prevalece. Neste caso, a Lei do Bem é a norma específica que trata da tributação de prestadores de serviços de caráter personalíssimo, enquanto a Lei de Arbitragem é uma norma geral que regula a arbitragem como um todo. Assim, a tributação deve seguir o disposto no artigo 129 da Lei do Bem, permitindo que advogados que atuam como árbitros possam ser tributados como pessoa jurídica.

Não bastasse, a atuação como árbitro gera impedimento para a sociedade da qual o advogado faz parte, algo que não ocorreria se fosse uma atividade autônoma, totalmente desvinculada do escritório que ele integra. Mesmo que o árbitro prestasse o serviço de forma independente, sem qualquer envolvimento da sociedade, recebendo como pessoa física, o impedimento ainda assim ocorreria.

Em síntese, a decisão do Carf, embora baseada em uma interpretação literal da Lei da Arbitragem, carece de uma abordagem mais holística e atualizada da realidade profissional dos advogados, além de ofender a literalidade do texto do artigo 129 da Lei do Bem. A possibilidade de faturamento dos serviços de arbitragem como pessoa jurídica deve ser considerada não apenas uma questão de justiça tributária, mas também de manutenção da segurança jurídica.

Permitir que advogados utilizem suas sociedades de advocacia para faturar esses serviços alinha-se perfeitamente com a legislação vigente, sendo essencial que o Carf e outras autoridades revisitem essa interpretação para garantir que a interpretação jurisprudencial pelos órgãos integrantes da administração tributária esteja em sintonia com as práticas profissionais modernas e o princípio da segurança jurídica.

Fonte: VALOR

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