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ITBI: Entenda o que é e como é cobrado o imposto

Nos termos do artigo 156, inciso II, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tributo de competência municipal que incide sobre a transmissão “inter vivos” de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis. Nesse sentido, o ITBI é um tributo de grande relevância para a efetivação das transações imobiliárias e para a arrecadação dos municípios.

No campo infraconstitucional, o Código Tributário Nacional (CTN) regulamenta o ITBI em seus artigos 35 a 42. É importante pontuar que a edição do CTN é anterior à promulgação da CF/88, de modo que, quando o CTN foi editado, o ITBI era um tributo de competência estadual, o que foi alterado a partir da CF/88. Portanto, os dispositivos do CTN devem ser lidos em conformidade com a CF/88. O CTN traz algumas diretrizes sobre o ITBI, tais como: (i) regras sobre desoneração desse tributo (artigo 36); (ii) base de cálculo (artigo 38), limitação de alíquota (artigo 39), dedutibilidade (artigo 40) e sujeição passiva (artigo 42). Não obstante, para determinação do exato regramento sobre o ITBI, é necessário que se avalie a legislação municipal de situação do imóvel que está sendo transferido ou cujos direitos a ele relacionados estejam sendo transferidos.

Nesse contexto, é importante apontar que o ITBI é um tributo que incide sempre que houver a transmissão de um bem imóvel ou de direitos a ele relacionados, seja por compra e venda, permuta, dação em pagamento, cessão de direitos ou qualquer outra forma de transmissão que não seja gratuita. Nesse sentido, quando ocorre a transmissão gratuita de um determinado bem imóvel, trata-se de doação, instituto jurídico que está fora do campo de incidência do ITBI, uma vez que a doação está no campo de incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Portanto, o ITBI não abrange situações em que são realizadas cessões não onerosas relativas a um determinado imóvel. Além disso, o ITBI também não é um tributo incidente sobre o consumo (como é o caso do ICMS ou ISS, por exemplo) que incida em “etapas” da cadeia produtiva, mas, sim, um imposto sobre a transmissão de propriedade do imóvel ou de direitos a ele relacionados.

Embora todo tributo possua em alguma medida caráter extrafiscal[1], o ITBI é um tributo que possui função eminentemente fiscal, isto é, sua importância reside muito mais em ser uma fonte arrecadatória dos municípios do que em induzir o comportamento dos agentes de mercado.

Esse delineamento da regra-matriz do ITBI é importante para entendermos o porquê, por exemplo, de a reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional nº 132, de 20.12.2023 (EC 132/23) não ter efeitos relevantes para fins de aplicação das regras do ITBI. A EC 132/23, de fato, promove alterações substanciais no sistema tributário brasileiro, mas está voltada, sobretudo, para a tributação do consumo e para a simplificação do regime de tributação das cadeias produtivas.

Não obstante, isso não significa dizer que a reforma tributária em questão não tenha implicações para fins de ITBI. Isso, porque a EC 132/23 trouxe a possibilidade de haver uma sobreposição entre a incidência do ITBI e da Contribuição sobre Bens Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nos termos do artigo 156-A, §§ 1º e 6º, da CF/88, sobre as operações de compra e venda de imóveis.

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 68 (PL 68/24) prevê a incidência de CBS e IBS sobre operações envolvendo bens imóveis em algumas hipóteses, como, por exemplo, na alienação decorrente de incorporação imobiliária (artigo 235, inciso I). Apesar de o regramento em questão ser apenas um Projeto de Lei, por ora, certamente poderá ser objeto de questionamento por parte dos contribuintes caso seja convertido em Lei, uma vez que haveria sobreposição daqueles tributos com o ITBI[2].

A despeito de vislumbramos novas discussões sobre o ITBI, fato é que há controvérsias sobre a sua incidência que perdura há anos no judiciário.

Uma discussão sobre o ITBI que se faz presente até os dias de hoje se refere à sua base de cálculo. De acordo com o artigo 38 do CTN, a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Contudo, a determinação do valor venal é objeto de muita controvérsia entre Autoridades Fiscais e contribuintes. É muito comum que os municípios se utilizem de tabelas com valores de referência para determinação do valor venal, os quais nem sempre correspondem ao valor real de mercado.

Nesse contexto, é importante mencionar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 24.2.2022, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.937.821 (julgado em sede de recursos repetitivos e, portanto, vinculante a todo o Poder Judiciário – Tema 1.113), firmou o entendimento de que a base de cálculo do ITBI não pode ser arbitrada unilateralmente pelo município. De acordo com o entendimento do STJ, caso haja discordância do valor venal estabelecido pela municipalidade, pode o contribuinte impugnar administrativamente o valor em questão e apresentar uma avaliação independente. Nesse sentido, é possível verificar que, a partir desse julgamento do STJ, contribuintes têm obtido êxito em processos judiciais que buscam garantir a incidência do ITBI com base no valor da operação e não sobre um valor de referência estabelecido unilateralmente pelos municípios[3].

No entanto, é importante apontar que, mesmo com o julgamento do STJ, o tema referente à base de cálculo do ITBI ainda não se encontra pacificado, tendo em vista que há recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) visando essa discussão (RE 1.412.419).

Outra discussão relevante diz respeito à aplicação da imunidade do ITBI quando da contribuição de imóveis em reorganizações societárias. De acordo com o artigo 156, § 2º, inciso I, da CF/88, não incide ITBI na transmissão de bens ou direitos em realização de capital nem na transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica. A regra constitucional condiciona essa imunidade para os cenários em que se verifica que quem recebe o imóvel não tem “atividade preponderantemente” imobiliária, nos termos dos §§ 1º e 2º do artigo 37 do CTN.

Cabe apontar, nesse sentido, que o STF já se manifestou sobre tal imunidade quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376 (RE 796.376 – Tema 796 de repercussão geral). O entendimento do STF foi o de que a imunidade do ITBI seria aplicável tão somente em relação ao valor do imóvel que fosse alocado especificamente em conta contábil de capital social da empresa, tendo sido fixada a tese de que “a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do artigo 156 da CF/88, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

A despeito de a decisão ter sido desfavorável aos contribuintes, o voto proferido pelo ministro Alexandre de Moraes tem sido utilizado para defender o afastamento da incidência de ITBI na contribuição de imóveis em aumento de capital de sociedades que possuem atividade imobiliária, sob o argumento de que a restrição quanto à aplicação da imunidade nas transferências às sociedades imobiliárias somente seria aplicável nos casos de “fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”.

A partir desse raciocínio, alguns contribuintes conseguiram obter decisões judiciais favoráveis reconhecendo a imunidade do ITBI mesmo nos casos em que há a contribuição de imóveis em aumento de capital de sociedades que possuem atividade imobiliária (sob o argumento de que a limitação constituição seria apenas relativa aos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica)[4].

No entanto, é possível observar que a maior parte da jurisprudência recente sobre o tema tem entendido que seria devido o ITBI e que as contribuições de imóveis a sociedades imobiliárias não são abrangidas pela tese fixada pelo STF no Tema 796, tendo em vista que as manifestações do ministro Alexandre de Moraes se deram a título de obter dictum, não estando contempladas pela tese fixada com efeitos vinculantes[5].

Há, ainda, diversas outras discussões no judiciário envolvendo a (não) incidência do ITBI. A título de exemplo, podemos citar: (i) possibilidade jurídica de aplicação da regra de imunidade nas contribuições de imóveis em Fundos de Investimentos Imobiliários (FII); (ii) possibilidade jurídica de questionamento das legislações municipais que exigem o recolhimento do ITBI antes da transmissão efetiva do imóvel ou dos direitos reais a ele relacionados; (iii) aplicação da imunidade prevista no artigo 156, § 2º, da CF/88, em reduções de capital com a entrega de imóveis aos acionistas etc.

Diante desse contexto, pode-se concluir que o ITBI é um tributo que possui regramento constitucional e legal simples, sendo um importante mecanismo de obtenção de receitas para os municípios. Não obstante, há diversas controvérsias específicas envolvendo a (não) incidência do ITBI e a aplicação de sua regra-matriz. Apesar de a reforma tributária promovida pela EC 132/23 não ter como foco a tributação sobre o patrimônio ou sobre a transferência de bens imóveis, fato é que o texto do PL 68/24, que regulamenta a referida EC 132/23, traz a possibilidade de haver a incidência de CBS e IBS sobre essas operações, o que poderá ser objeto de questionamento por parte dos contribuintes caso o PL 68/24 seja convertido em Lei nos mesmos termos, especialmente considerando a sobreposição da hipótese de incidência da CBS e IBS com o ITBI.

[1] SCHOUERI, Luis Eduardo. JÚNIOR, Ricardo André Galendi. Irretroatividade e função extrafiscal do tributo: elementos para a superação definitiva da Súmula nº 584 do STF. (In): Extrafiscalidade: Conceito, Interpretação, Limites e Alcance. Fórum. 2017. p. 160.

[2] SCAFF, Fernando Facury. A inconstitucional dupla incidência de ITBI e CIBS na venda de imóveis. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-27/a-inconstitucional-dupla-incidencia-de-itbi-e-cibs-na-venda-de-imoveis/

[3] Exemplos de decisões nesse sentido: Processo 0715127-42.2022.8.07.0018 (TJDF); Processo 1060142-22.2022.8.26.0053 (TJSP).

[4] Por exemplo: processo nº 5111206-87.2021.8.13.0024 (TJMG, julgamento em 13 de julho de 2023).

[5] Por exemplo: processo nº 1014324-44.2022.8.26.0248 (TJSP, julgamento em 24 de outubro de 2023); processo nº 1019626-68.2022.8.26.0405 (TJSP, julgamento em 19 de outubro de 2023); processo nº 1025794-41.2023.8.26.0053 (TJSP, julgamento em 18 de outubro de 2023).

Fonte: JOTA

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