Os Juros sobre o Capital Próprio (JCP), bem com a distribuição de lucros são formas de rendimento do capital e, muitos juristas, entendem que ambos teriam natureza jurídica similar.
Por outro lado, nas sociedades limitadas, a política de distribuição dos lucros pode ser desproporcional e realizada de acordo com a vontade dos sócios, desde que exista cláusula do contrato social, sem que isto implique em perda da isenção que se concede a essas verbas.
CARF
Essa questão foi submetida ao CARF em casos em que empresas foram autuadas, porque a fiscalização descaracterizou os pagamentos efetuados a título JCP em razão da verba haver sido distribuída aos sócios sem respeitar a proporcionalidade da participação dos mesmos no capital social.
As decisões do CARF foram no seguinte sentido:
– os JCP não tem a mesma natureza da distribuição de lucros, pois, muito embora os dois sejam rendimentos do capital, têm condição fiscal diferente: os JCP são despesas financeiras para a sociedade e receitas para o beneficiário.
– se os JCP tivessem a natureza de dividendos, a sua dedutibilidade da base de cálculo do IR seria um favor fiscal, o qual não se estenderia à apuração da CSLL, a não ser por expressa determinação legal.
– E tendo natureza de despesas financeiras para empresa, decorrentes de aportes realizados pelos sócios, não se justifica que a distribuição dos JCP não obedeça a proporção existente no seu contrato social.
– Nos termos do art. 123 do CTN, salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Em suma, em vista disso o CARF tem concluído que, em caso de distribuição desproporcional de JCP:
Quanto à contribuição previdenciária
“Os valores pagos ou creditados aos sócios a título de Juros Sobre Capital Próprio JCP), além do que lhes seria devido pela aplicação do percentual correspondente a participação de cada um no capital social, devem sofrer a incidência de contribuição previdenciária, por representar pró-labore indireto” (CARF 2a. Seção / 1a. Turma da 4a. Câmara / ACÓRDÃO 2401-01. 504 em 01/12/2010)
Quanto ao IRRF
“A natureza jurídica dos Juros Sobre Capital Próprio é de despesa financeira para a empresa e de receita para o sócio beneficiário. Os valores pagos ou creditados aos sócios a título de Juros Sobre Capital Próprio, além do que lhes seria devido pela aplicação do percentual correspondente a participação de cada um no capital social, devem sofrer a tributação mais onerosa”. Assim cabe a incidência de IRRF, sendo que, se não retido, a fonte pagadora assume o ônus do imposto devido pelo sócio beneficiário. (CARF – Segunda Seção, ACÓRDÃO: 2202-001.759)
Quanto à dedutibilidade do IRPJ E CSLL
“Sendo os juros sobre a capital própria remuneração do capital aplicado pelo titular, sócios ou acionistas na pessoa jurídica, o crédito ou pagamento individualizadamente para cada um deve ser proporcional a sua participação no capital social da pessoa jurídica. A parcela excedente não configura remuneração a esse título e, portanto, não pode se beneficiar da dedutibilidade conferida aos juros sobre o capital”. (CARF 1a. Seção / 1a. Turma da 3a. Câmara / ACÓRDÃO 1301-00.480 em 27/01/2011).
Judiciário
No entanto, o Judiciário tem decisões favoráveis aos contribuintes. Em uma decisão do TRF4, o desembargador federal Rômulo Pizzolati, na apelação cível nº 5013804-94.2021.4.04.7200/SC decidiu que a distribuição desproporcional dos juros sobre o capital próprio não é vedada pelo ordenamento jurídico.
Eis um trecho do julgado:
“Nos termos do art. 9º da Lei nº 9.249, de 1995, supratranscrito, o único limite para distribuição de JCP aos sócios é a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), incidente sobre as contas do patrimônio líquido. Ao Fisco interessa, portanto, se foi observado esse limite geral, pois, do contrário, a pessoa jurídica não poderá deduzir, do lucro real, os valores excedentes pagos aos sócios.
Daí que, observado o limite legal dos JCP, e retido o imposto de renda na fonte pagadora à alíquota de 15%, é tributariamente irrelevante a forma pela qual os sócios tenham decidido distribuir esses valores, ainda que alguns tenham recebidos montantes de forma “desproporcional” à sua participação no capital social.
Isso porque, independentemente do previsto no art. 1.007 do Código Civil – “Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas – vigora em direito civil e empresarial a autonomia das partes, sendo permitido tudo aquilo que a lei não vede expressamente (art. 5º, II, da Constituição Federal).
É dizer, pouco importa que o art. 1.007, do Código Civil, ao fazer a ressalva – “salvo em estipulação em contrário” – tenha se referido apenas à participação dos lucros, não podendo-se extrair-se daí proibição não expressamente prevista. A ressalva desse dispositivo legal apenas reforça o caráter dispositivo – não cogente – da norma, que é aplicável no caso de silêncio do estatuto/contrato social.
Entretanto, o fato de a lei ter previsto expressamente, apenas para a participação nos lucros, a possibilidade de estipulação em contrário à regra dispositiva, não permite concluir que é vedada a distribuição de JCP de forma diversa da usual (proporcional à participação no capital social). Até mesmo porque o próprio Código Civil nada refere acerca dos JCP, e na legislação que os previu – Lei nº 9.249, de 1995 – não há qualquer proibição nesse sentido.”
Ademais, no direito empresarial preponderam os aspectos jurídico-formais sobre os conceituais, ou seja, prevalece aquilo que os sócios ajustam dentro da moldura legal, conforme explica, dando exemplos, o professor Fábio Ulhoa Coelho (Curso de Direito Comercial: vol. 2, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 421):
“No plano conceitual, os lucros remuneram o capital investido na sociedade. Todos os sócios, empreendedores ou investidores, têm direito ao seu recebimento, nos limites da política de distribuição contratada entre eles. Já o ‘pro labore’, ainda no plano dos conceitos, remunera o trabalho de direção da empresa. Seu pagamento, assim, deve beneficiar apenas os empreendedores, que dedicaram tempo à gestão dos negócios sociais. No plano jurídico, a distinção assume contornos exclusivamente formais, e se afasta da pureza conceitual. Quer dizer, os lucros, quando distribuídos, são devidos a todos os sócios; o ‘pro labore’, ao sócio ou sócios que, pelo contrato social, tiverem direito ao seu recebimento. Em decorrência da rigidez formal da regra, o sócio investidor, que não trabalha na gestão da empresa, mas que é nomeado, no contrato social, como titular de direito a pro labore, deve receber o pagamento. Em contrapartida, o empreendedor que exerce a administração, mas não é lembrado, no contrato social, como titular do direito ao ‘pro labore’, não o pode receber”.
Assim, não dispondo a lei em contrário, não há qualquer vedação a que sejam distribuídos JCP de forma desproporcional à participação do sócio no capital social.”
Mais recentemente, o juiz Leonardo Simão Schmitt Junior, da 5ª Vara Federal de Blumenau (SC), concedeu a segurança em favor de uma empresa de comércio de peças automotivas, no processo MS 5025303-04.2023.4.04.7201 decidiu de forma similar.
Fonte: https://tributarionosbastidores.com.br/2024/05/tese-da-distribuicao-desproporcional-do-jcp-e-o-entendimento-do-carf-e-judiciario/