Uma liminar dada pelo juiz federal José Henrique Prescendo, da 22ª Vara Cível Federal de São Paulo, afastou a aplicação da nova lei de preços de transferência para uma multinacional de biotecnologia. O magistrado entendeu que as regras não valem para o lucro presumido, regime de tributação ao qual a empresa está submetida.
Essa é uma das primeiras decisões sobre o assunto, de acordo com advogados, que veem a decisão como benéfica, por baratear custos e simplificar o recolhimento dos impostos. Como a multinacional fatura anualmente menos de R$ 78 milhões, pode optar pelo lucro presumido, em vez do lucro real – obrigatório para quem alcança valores acima desse patamar.
O caso tem uma particularidade. A unidade da empresa no Brasil não faz exportações, apenas importa mercadorias de partes relacionados do exterior, inclusive da controladora, para revender no mercado interno. Na Justiça, ela defendeu que a lei anterior de preços de transferência (nº 9.430/96) só se aplicava para empresas no lucro real e não para as que estavam no lucro presumido.
A discussão surgiu porque a Receita Federal entende que as novas regras valem para “contribuintes sujeitos ao lucro real, presumido ou arbitrado”. A interpretação está na Instrução Normativa nº 2.161/2023, que regulamentou a nova lei, de nº 14.596/2024, que vai na linha dos princípios adotados pelos países da OCDE.
A empresa defende nos autos que a IN é ilegal e é “indevida a aplicação dessa legislação às empresas tributadas pelo regime do lucro presumido que realizem exclusivamente importações”. O juiz federal acatou a tese, desenvolvida pelo escritório de advocacia Pacheco, Neto, Sanden, Teisseire (PNST) Advogados.
O magistrado chegou à conclusão que o artigo 25 da Lei nº 9430/1996, que determina como é a apuração do lucro presumido, não foi alterado pela nova lei. “O lucro presumido continua a ser determinado pela soma do valor resultante da aplicação dos percentuais de que trata o artigo 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, sobre a receita bruta definida pela artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977”, diz (processo nº 5006129-07.2024.4.03.6100).
Segundo Pedro Messeti, sócio fundador da consultoria tributária TPI Lab, contratada pela multinacional para analisar a questão, é mais benéfico apurar pelo lucro presumido, pois se aplica um percentual estimado do lucro no período. Para ele, o mandado de segurança foi necessário porque não se pode misturar as legislações de Imposto de Renda e preços de transferência, pois pode haver a bitributação.
“Quando a empresa está no lucro presumido, se ela tem a lucratividade presumida, não pode trabalhar com adição de custos na base do Imposto de Renda, porque, quando faz isso, está tributando duas vezes a mesma coisa com sistemáticas diferentes”, diz.
É também o que entende a tributarista Julia Nogueira, do PNST Advogados, que atuou no caso. “A lei de preços de transferência só pode existir se for para ajustar a base de cálculo do imposto para se chegar à verdadeira renda da empresa. Ao mexer na base de lucro presumido, não se estaria se aproximando da verdadeira renda, mas criando uma dupla tributação”, afirma Julia.
Ela ainda diz que, mesmo com a liminar, a empresa teve uma postura conservadora e fez o estudo técnico para se ter ideia do quanto teria que pagar se fizesse o ajuste nos preços de importação por conta da nova lei de preços de transferência. “Se a liminar cai, ela precisa saber quanto que precisa pagar e tem o prazo de 30 dias para fazer o recolhimento do imposto”, afirma.
A advogada Clarissa Machado, sócia do Trench Rossi Watanabe, entende a liminar como benéfica, pois para as empresas no lucro presumido, as despesas não são relevantes, já que se aplica uma margem fixa sobre o lucro estimado. “Se aplicar a regra de preços de transferência em transações de importação quando o contribuinte não exporta, é pedir que ele se sujeite a uma regra que não vai afetar o lucro tributável, porque a receita no Brasil não está vinculada com a parte relacionada”, diz Clarissa.
Em nota a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que a nova lei de preços de transferência veio para se alinhar com as regras da OCDE “com o objetivo de obstar a remessa disfarçada de lucros ao exterior”.
Para o órgão, a nova lei, “diversamente da Lei nº 9.430/96, é aplicável também às empresas tributadas pelo lucro presumido em vista da inexistência de ressalva na referida lei quanto à submissão dessas empresas às regras de preço de transferência”.
Fonte: VALOR