Capturando a essência da incerteza que permeia a nossa tentativa de antecipar as mudanças e adaptar-nos a elas, Niels Bohr disse: ”Prever é difícil, especialmente o futuro”. Esta observação ressoa com particular força no contexto da recente Reforma Tributária e suas implicações para o planejamento sucessório. A Emenda Constitucional nº 132 traz profundas alterações no regime tributário, desafiando contribuintes e profissionais a reavaliarem estratégias para salvaguardar patrimônios e legados.
No presente artigo, será abordado o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o qual incide na transmissão da propriedade de bens e direitos em decorrência do falecimento do seu titular (causa mortis) ou por meio de cessão gratuita (doação). A incidência deste tributo, portanto, ocorre somente quando há a transferência de bens de forma não onerosa.
A Constituição Federal atribui competência aos Estados e ao Distrito Federal para cobrança do ITCMD (art. 155, inciso I). A promulgação da Emenda Constitucional nº 132, no entanto, introduziu algumas mudanças expressivas no que tange ao local de recolhimento deste tributo.
Anteriormente, o ITCMD era devido ao Estado/DF onde ocorria o inventário ou arrolamento (transmissão causa mortis), ou ainda, onde estava domiciliado o doador (art. 155, § 1º, inciso II da CF/88).
Na Emenda Constitucional nº 132, determina-se que o ITCMD será devido ao Estado/DF onde o falecido (de cujus) tinha domicílio ou onde o doador dos bens móveis, títulos e créditos estava domiciliado.
Desse modo, antes desta alteração estabelecida pela referida Emenda Constitucional, os contribuintes tinham a possibilidade de escolher em qual Estado abrir o inventário e, consequentemente, optar por recolher o imposto no Estado com a menor alíquota.
Contudo, com a EC nº 132, em seu artigo 16, ficou estabelecido que quando a transmissão envolver bens móveis, títulos ou créditos, o imposto será recolhido no domicílio da pessoa falecida.
Ademais, no que tange à incidência do ITCMD em bens e heranças oriundos do exterior, existe uma possibilidade de que os Estados retomem a prática de cobrança.
Isso se deve ao fato de que, em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF),por meio do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 851.108, estabeleceu que apenas uma lei complementar federal poderia autorizar tal cobrança. No entanto, a Emenda Constitucional (EC) nº 132 possibilita essa cobrança pelos Estados, conforme evidenciado a seguir:
Anteriormente, se o doador possuísse domicílio e/ou residência no exterior, ou o falecido que possuísse bens, fosse residente ou domiciliado, ou teve seu inventário processado no exterior, dependeria de regulamentação trazida por meio de lei complementar (art. 155, §1º, inc. III da CF/88).
A partir da vigência da EC n. 132, fica autorizado aos Estados/DF a cobrança do ITCMD cujo doador resida ou tenha domicílio no exterior e transmissões causa mortis de bens situados no exterior que, segundo a atual redação, exigiria a edição de lei complementar federal específica(art. 155, § 1º, inciso III, alíneas ‘a’ e ‘b’).”
Logo, até a promulgação de uma Lei Complementar que estabeleça a regulamentação dos detentores de bens no exterior, as normas vigentes são as que antecedem a reforma tributária.
Atualmente, no âmbito das doações e sucessões de bens imóveis, a competência recai sobre o Estado ou Distrito Federal onde o imóvel está situado.
Quanto aos bens transmitidos por herança, incluindo aqueles situados no exterior, a autoridade competente é o Estado ou Distrito Federal do último domicílio do falecido. Caso o falecido residisse ou tivesse domicílio fora do país, a competência passaria a ser do local de residência do sucessor ou legatário.
Outra alteração que será implementada com a reforma tributária é a previsão de progressividade das alíquotas para o ITCMD e a definição da competência para recolhimento do tributo, retirando do contribuinte a opção de escolher pelo Estado com a menor alíquota.
Atualmente, segundo o texto constitucional (art. 155, § 1º, inc. IV da CF/88) as alíquotas máximas do ITCMD deverão ser fixadas pelo Senado Federal. Assim, devido à sua natureza estadual, a alíquota do ITCMD varia de acordo com a localidade, porém, existe um teto máximo de 8% estabelecido pela Resolução do Senado nº 9/1992.
Contudo, está em andamento o projeto de resolução do Senado nº 57/19, de autoria do senador Cid Gomes, cujo objeto é a majoração da alíquota máxima do imposto, que prevê aumentar o percentual da alíquota de 8% para 16%.
Segundo o texto atribuído à EC n. 132, portanto, o ITCMD passará a ser progressivo de acordo com o valor do bem transmitido. Tendo em vista que anteriormente à reforma tributária, a Constituição limita a alíquota do ITCMD em 8%, com a progressividade, é alta a probabilidade de que as operações dessa natureza fiquem, de fato, mais onerosas.
Isso porque, é esperado que os Estados que ainda não tenham adotado as alíquotas progressivas, assim o façam.
O planejamento é uma ferramenta eficiente, contudo, as mudanças legislativas podem trazer impactos negativos que ensejam urgência na tomada de decisão.
Embora ainda não seja possível determinar os impactos exatos da Reforma Tributária nas operações de transferência de bens em vida ou após a morte, é evidente que há uma tendência muito alta de aumento da carga tributária.
Por isso, é importante realizar uma análise individualizada e personalizada para identificar e implementar a alternativa mais vantajosa e adequada para cada situação.
Ressalta-se, por fim, que as alterações introduzidas pela EC nº 132/2023, dependem de regulamentação por meio de leis nacionais e estaduais específicas, em respeito ao art. 150, I, da Constituição Federal.
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/reforma-tributaria-e-itcmd.ghtml