A 3ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não aceitou o pedido de contribuintes para retroagir a Lei nº 14.395, de 2022, sobre cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A norma considera “praça” o município onde está situado o estabelecimento do remetente, entendimento em geral mais favorável às empresas.
Nesta quarta-feira, foram mantidas uma autuação fiscal de R$ 823 milhões da Natura, uma de R$ 1 bilhão da Avon (empresa que pertence ao mesmo grupo) e uma da Companhia Brasileira de Cartuchos, de valor desconhecido.
Nas autuações, a Receita Federal aponta suposta irregularidade em razão da não aplicação do Valor Tributável Mínimo (VTM) nas vendas entre empresas interdependentes. O conceito de “praça” é base para o cálculo do VTM — piso para a tributação de IPI quando um fabricante vende um produto para uma filial ou sua unidade atacadista, antes do consumidor final. Ele é uma medida anti elisiva, para evitar a comercialização de produtos a valores baixos.
O valor tributável, de acordo com a legislação, não pode ser inferior ao preço corrente no mercado atacadista da “praça” do remetente. A discussão é se “praça” significaria um município ou uma região.
Pela Lei nº 14.395, de 2022, considera-se “praça” o município onde está situado o estabelecimento do remetente. Os conselheiros da Câmara Superior analisaram hoje, pela primeira vez, se essa norma poderia ser aplicada de forma retroativa, para fatos e autuações anteriores a ela.
O tema foi julgado primeiro em processo envolvendo a Companhia Brasileira de Cartuchos. O mesmo entendimento foi aplicado aos casos da Natura e da Avon. Os valores citados constam em documentos enviados pela Natura à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Para o relator, conselheiro Rosaldo Trevisan, da representação da Fazenda, praça não representa o município em que está o contribuinte, mas qualquer local onde o contribuinte seja um distribuidor exclusivo, segundo o relator. O termo praça tem relação com mercado, segundo ele, o que não tem a ver com as restrições geopolíticas dos municípios.
A Lei 14.395 determina que a partir de sua vigência se considera como praça o município, segundo o relator. Trevisan não considera a lei uma norma interpretativa, que teria aplicação retroativa, mas que cria um novo conceito de praça, alterando a legislação vigente.
“A lei interpretativa é uma exceção à regra e toda exceção à regra tem que vir escrita”, afirmou o conselheiro Gilson Macedo Rosenburg Filho, relator dos casos da Natura. A decisão foi pelo voto de qualidade, o desempate da presidente.
Para os conselheiros Oswaldo Gonçalves de Castro Neto e Tatiana Josefovicz Belisário, representantes dos contribuintes, a norma não tem que dizer textualmente que é retroativa ou interpretativa. Assim, o pedido do contribuinte deveria ser aceito ante a nova lei, que deveria ter efeito retroativo. Eles ficaram vencidos.
O voto de qualidade afasta a incidência de multa e de juros, no caso em que o contribuinte pagar o débito e não recorrer à Justiça (processos nº 16561.720176/2012-16 e 19515.720949/2017-12).
O Carf é a principal aposta do ministro Fernando Haddad para atingir a meta de déficit primário zero em 2024. O objetivo é analisar R$ 870 bilhões em créditos tributários neste ano, ante R$ 580 bilhões previstos no Orçamento.
Procuradas, a Natura e a Avon informaram que não concordam com a decisão, que foi proferida por voto de qualidade, e irão recorrer na defesa de seus direitos, inclusive no Judiciário, se for necessário. Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/03/13/carf-mantm-cobrana-milionria-de-ipi-da-natura