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Multinacionais e a exposição ao imposto mínimo global

Não bastassem os desafios de adaptação trazidos por variadas iniciativas de reforma tributária no Brasil, as empresas brasileiras se veem agora obrigadas a reportar seus níveis de exposição a iniciativas estrangeiras de cobrança do chamado imposto mínimo global, devendo divulgar informações já nas demonstrações financeiras anuais fechadas em dezembro de 2023. Os balanços recém-publicados pela Vale e pelo Itaú são exemplos dessa preocupação, pois trazem os primeiros comentários sobre essa nova forma de tributação internacional.

Publicada na virada do ano, a Resolução CVM (Comissão de Valores Mobiliários) nº 197/2023 implementa no Brasil alterações relevantes nas normas contábeis do padrão IFRS para exigir das companhias brasileiras a divulgação de informações sobre a sua exposição aos tributos do “Pilar Dois”. Essa medida afeta particularmente as companhias multinacionais brasileiras que tenham subsidiárias em países cuja legislação tributária já tenha sido adaptada em 2023 ou tenha terminado o ano em fase de adaptação para a criação de novas modalidades de tributos sobre a renda.

Empresas brasileiras que atuam no exterior mediante estruturas corporativas centralizadas, por exemplo, no Reino Unido, em Luxemburgo, na Alemanha, na Itália e na França, já se deparam com o desafio de compreender e estimar o risco de tributação por impostos extraterritoriais novos e variados (IIR, UTPR, QDMTT) decorrentes de legislações implementadas nesses países em 2023 para a implementação das regras modelo globais anti-erosão da base tributária em nível global (GloBE model rules) integrantes do projeto denominado “Pilar Dois”.

No contexto da contabilidade, a perspectiva concreta de que venham a ser implementados novos tributos já causa impactos nas estimativas de tributação dos lucros, especialmente nas apurações de impostos diferidos ativos e passivos. Embora a legislação do Pilar 2 não tenha sido ainda implementada no Brasil, os grupos multinacionais aqui sediados sofrem impactos das regras adotadas nos países em que atuam.

Neste ano, muitos grupos multinacionais brasileiros se verão às voltas com novos tributos, instituídos em países nos quais determinadas empresas subsidiárias terão que pagar imposto complementar (top-uptax) segundo uma regra de inclusão de lucros (IIR) que fará com que, por exemplo, uma holding do grupo estabelecida no Reino Unido tenha que pagar imposto sobre lucros subtributados de empresas estabelecidas em países com baixa tributação.

Como resultado desse novo sistema, empresas investidas do grupo que tenham uma carga tributária de imposto de renda inferior a 15% sobre os seus lucros verão esses mesmos lucros serem tributados nos países das empresas controladoras que tenham adotado as regras do Pilar 2.

Nesse sentido, as mudanças promovidas pela Resolução nº 197/2023 são bem-vindas, pois elas visam facilitar o fechamento das demonstrações financeiras anuais encerradas em dezembro de 2023. É por essa razão que tais normas foram formuladas de modo retrospectivo, pois permitem que as companhias brasileiras se abstenham de fazer cálculos complexos neste momento para atender às pressas às exigências da legislação contábil em vigor.

Duas medidas essenciais foram tomadas. Primeiro, a referida resolução cria uma isenção temporária para evitar o reconhecimento e a divulgação de IR diferido em relação aos tributos do Pilar Dois (item 4 A da resolução). Essa isenção é obrigatória para todas as companhias, que devem fazer uma declaração expressa nesse sentido nas demonstrações de 2023 (item 88 A).

Se tal isenção temporária não existisse, as multinacionais brasileiras já deveriam apresentar uma projeção dos impactos das mudanças legislativas em curso nos países nos quais elas operam.

Não há nenhuma especificação na resolução da CVM quanto ao tempo de duração dessa exceção temporária e as empresas brasileiras devem aproveitar esse período para se dedicar à difícil tarefa de estimativas e apurações de tributos do Pilar 2, absorvendo particularidades da legislação dos países que implementarem o imposto mínimo global.

E a segunda medida importante foi a flexibilização na obrigação de divulgação de informações sobre a exposição da entidade aos tributos do Pilar 2. Com efeito, as obrigações de divulgação foram formuladas sem exigências de conteúdo específicas e apresentam uma estrutura alternativa que permite sua adoção de modo variado.

As empresas multinacionais que já estejam num estágio avançado de análise e possuam informações conhecidas ou razoavelmente estimáveis sobre a sua exposição aos tributos do Pilar 2, devem divulgar informações qualitativas e quantitativas nas suas demonstrações financeiras (itens 88C e 88D). Convém ressaltar que a obrigação de divulgação estará atendida mesmo se a informação for preparada de modo simplificado, isto é, sem atender a todos os requisitos da legislação de Pilar 2.

Caso contrário, não havendo informações e tampouco estimativas disponíveis, basta divulgar uma declaração sobre esse cenário e informações sobre o progresso da avaliação da exposição da empresa aos tributos do Pilar 2.

Em nenhum dos casos caberia cogitar da divulgação de despesa(receita) de imposto de renda corrente em 2023 (item 88B), pois nenhum país terminou o ano com exigência concreta de imposto mínimo global no ano passado.

Já para este ano, na elaboração e na divulgação das demonstrações financeiras trimestrais, haverá a necessidade concreta de se avaliar em detalhes os riscos de exposição e de tributação em determinados países em vista de eventuais entidades do grupo multinacional que estejam com tributação efetiva abaixo do nível mínimo do Pilar 2, que é de 15%.

Victor Polizelli é sócio de Direito Tributário do KLA Advogados

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/multinacionais-e-a-exposicao-ao-imposto-minimo-global.ghtml

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